Respirar é preciso

Edson Haetinger
Qu4tro
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2 min readMay 9, 2020

Já passa das duas da madrugada quando me deito, exausto. Cansado de mais um dia preso em casa. Já se somam uns quarenta e cinco dias de quarentena. Quarenta e cinco dias de um isolamento não tão isolado quanto deveria ser.

Meus olhos doem só em estarem abertos, mas quando os fecho a mente não se aquieta. Segue como um turbilhão, repassando informações e pensamentos colhidos ao longo do dia. Desde que acordei hoje, estive praticamente todo o tempo exposto a uma, duas, três ou até quatro telas.

É muito conteúdo! É Instagram pessoal, de referência, do trabalho, o trabalho, telejornal, entretenimento, Covid-19, Netflix e até rolou um vídeo game. O tempo todo, sendo exposto a algum conteúdo. Sorte que hoje não foi dia de criar.

A parte o meu problema não ser exatamente um problema, porque me deito em uma cama confortável, numa casa espaçosa, com internet, várias telas, vídeo game, assinatura de streaming em dia, comida à mesa, emprego mantido, nenhuma redução de salário, e principalmente nenhum óbito entre familiares, amigos ou conhecidos, estou cansado de pensar. É como se o cérebro dissesse “chega, irmão, ‘vamo dá’ uma respirada”.

Achei que esse distanciamento social que chamamos de quarentena seria mais fácil. Achei que não teria problemas em trabalhar em casa, e achei que não teria um grande aprendizado pessoal. Mas eu errei. Mesmo com todos esses privilégios — que, reconheço, não são poucos — está sendo difícil.

Parte do dia de um criador de conteúdo é pautado na busca por referências. É como montar um quebra-cabeça sem saber exatamente a imagem final. A gente pega um pedaço daqui, uma frase dali, junta com uma coisa que vimos num filme, bate tudo no liquidificador e tchanã: nasce algo. Isso exige telas. Exige esse bombardeio de informações. É “normal”. O problema é que em casa, eu não tenho os respiros que tinha ao longo do dia.

Para alguém que sempre trabalhou rodeado de pessoas, estar sozinho em um quarto com um computador, um celular e uma televisão é assustador. Cadê a pausa para o cafezinho, o debate sobre um casal de famosos que se separou, ou se vai crase ou não? Cadê o ônibus? Eu amo o tempo ocioso dentro do ônibus — não precisava ser tanto tempo, ok, mas é ótimo.

As pequenas pausas feitas em casa não são a mesma coisa pelo simples fato de que faltam pessoas. Meu pai não faz ideia de quem seja Whindersson Nunes e minha mãe não vai saber me ajudar com a maldita crase.

Está sendo difícil criar algo novo e relevante há alguns dias, mas hoje o cansaço trouxe o estalo. Está na hora de consumir menos conteúdo e desacelerar um pouco. Acho que é dar um passo para trás, para dar dois à frente. Amanhã começarei um novo livro.

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Edson Haetinger
Qu4tro
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Escrevo na esperança de que alguém encontre aqui a identificação que não encontrei quando escrevi. Jornalista | RS | Brasil