Súplica

Edson Haetinger
Qu4tro
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3 min readMay 25, 2020

As pessoas ficam falando em futuro, em mudança, mas não estão nem aí pras coisas que realmente estão mudando. Perderam a capacidade de espernear pras coisas mudarem. Desaprenderam. A imbecilidade venceu a parada, quem ganha tem a verdade, e o que ficou é isso aí que a gente pode ver: não tem nada! Não tem espírito coletivo; não tem porra nenhuma!

Esse pequeno fragmento do filme Febre do Rato, de Cláudio Assis, lançado em 2012, diz mais sobre o momento atual que se possa imaginar. A cada dia uma nova declaração mais estapafúrdia do que a do dia anterior sendo proferida por daquele que deveria ser o presidente desse país. A cada domingo uma nova manifestação pedindo o fechamento do Congresso, a prisão de um (ou todos) ministro(s) do Supremo Tribunal Federal, a volta do Ato Institucional nº 5 ou algo tão assustador quanto. A cada terça-feira uma nova notícia de agressão à imprensa. A cada semana um novo crime ligado a sua família, que o inominável tenta encobrir. A cada Jornal Nacional um novo recorde.

Mais de 22 mil mortos (e contando), desmatamento em escalada (desenfreada), Dólar acima de R$5,50 (mas tá bom porque tava uma festa), gasolina acima dos 4 Reais — antes da Covid-19 estava R$4,57, no impeachment R$3,65 — (mas por R$2,80 já teve revolta), e tanta fake news que não merece link. Perdemos tanto tempo debatendo a Cloroquina (?!), se ele falou ou não falou PF na tal reunião, se a imprensa é ou não de esquerda, que não debatemos o que importa.

Como que o vídeo de uma reunião ministerial repleto de confissões sobre o desejo (que se tornou realidade) de interferir na Polícia Federal, recheado com discurso de ódio, com apelo para se colocar a amazônia abaixo ou ministros na cadeia, não choca? Como não choca? Como não envergonha a todos? Como pode ser saudado como “a reeleição do atual em 2022”?

Enfrentamos um processo de impeachment em 2016 (onde o governo que lá estava deixou que a Polícia Federal investigasse e julgasse culpado o maior líder e símbolo político do próprio partido, sem interferência) para colocar no poder um lunático que não pode ver o filho (que é um ninguém no cenário político) ser investigado pela mesma Polícia e tem que interferir? Foi por isso? Foi por isso que vivemos aquele domingo vergonhoso de abril de 2016?

Cadê a nova política que ía ser feita pelo político de 65 anos com 27 anos de vida pública e míseros dois projetos aprovados (na Câmara, mas vetados pela presidência)? Cadê o governo que não ia negociar com o centrão? Cadê o governo técnico (que hoje não tem um médico no Ministério da Saúde)?

Estamos mergulhados na política do nós contra eles, amplamente implantada em governos fascistas¹, e nem nos damos conta disso. Nos vemos diante de escolhas (?!) bizarras, como morrer de fome ou por Covid-19. Temos esse governo ou o comunismo petista (?!) (mesmo que o partido tenha estado por 13 anos no poder e não tenhamos passado nem perto de sermos comunistas). Temos que ouvir o Dória ser chamado de esquerda (!).

Vemos tudo isso e fazemos notas de repúdio (ou textos no Medium). É Zizo, perdemos a capacidade de espernear pras coisas mudarem.

Colocamos no poder alguém que não conseguiremos tirar, e a troco de quê? Qual o legado dessa gestão se não o ódio contra tudo e todos que forem diferentes dele? Depois disso, o futuro, seja qual for, não será mais bonito do que um dia já foi o passado.

¹ — Como funciona o fascismo: a política do “nós” contra “eles”; STANLEY, Jason. 2018.

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Edson Haetinger
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