Jóias Brutas e o Caos do Secularismo

A natureza caótica do tempo em que vivemos

Coletivo Tangente
ColetivoTangente
4 min readApr 28, 2020

--

Gustavo Scholl

Filmes são essencialmente instrumentos de uma narrativa, a ser moldada por seus diretores, roteiristas, atores etc. Em meio a tanto conteúdo sendo produzido nos últimos tempos é raro encontrarmos bons filmes nos quais podemos ver aspectos da verdade de Deus. Somos muito prontos em falar de filmes hipersensíveis, que levam a um emocionalismo mimético, sempre em busca do sobrenatural como reflexo da glória. Contudo, somos tardios em reconhecer obras em que nossas fraquezas são retratadas com fidelidade, e que devem nos conduzir ao arrependimento e à contrição. JÓIAS BRUTAS é um destes filmes. Seu caos ilustrativo de uma vida entregue às paixões humanas faz dele um longa que diz muito sobre nós mesmos.

Os diretores são Benny e Josh Safdie, irmãos, que já contam com uma filmografia basicamente conhecida por trabalhar o caos em uma linguagem frenética e fincada na realidade da rotina e da filosofia pós-moderna. A novidade em JÓIAS BRUTAS, mais novo longa da dupla, é a corrida retratada no longa. Corrida essa que não é exposta em termo literal, mas espiritual. O protagonista Howard Ratner passa o filme inteiro correndo atrás de atender seus desejos e necessidades alimentadas pelos vícios. Apostas, mentiras, roubos, trapaças, traições… Tudo isso faz parte da natureza do protagonista, que desde a primeira cena é construído como a encarnação de uma sociedade consumista e extremamente egoísta.

Temo que JÓIAS BRUTAS seja uma representação contundente de uma realidade pós-moderna, comandada pelos desejos do coração envolvendo o dinheiro e a sexualidade, em uma busca incessante pelo prazer e pelo lucro.

Enquanto na trama, Ratner luta contra o tempo para satisfazer sua natureza pecaminosa, examinemos o que faz da narrativa de JÓIAS BRUTAS tão cativante. Como Héber Campos Jr. bem afirma, o pecado está entremeado a inúmeras coisas originalmente boas. Olhe para a vida de Ratner. Pense nas atividades que circundam sua vida. Seu trabalho, como vendedor de joias, sua esposa, sua paixão por esportes… Todas essas coisas são, em sua essência, boas. Mas quero destacar como os Irmãos Safdie conseguiram mostrar, de maneira brilhante, os caminhos autodestrutivos que a idolatria dessas realidades causa no ser humano.

Ratner é casado, mas sua cobiça o leva a trair sua mulher com uma funcionária que é perdidamente apaixonada nele. Ele é bem sucedido em seu trabalho, mas usa de artifícios moralmente inaceitáveis para levar vantagem. Como nós olhamos para as respostas que a palavra de Deus traz a atitudes tão desprezíveis de um ser humano horrível como Ratner? Talvez, a princípio, entendendo que não há nada que realizamos que seja integralmente puro, nem mesmo as nossas orações (Rm 8.26). O entendimento da queda do homem dentro da narrativa cristã não deve servir para justificar o comportamento do protagonista do filme em questão, mas sim para jogar luz em nossa vida, entendendo que em alguma medida também criamos ídolos em nosso coração, o que nos afasta de Deus.

O autor David Naugle diz, em seu livro sobre cosmovisão cristã, que Satanás procura controlar o zeitgeist , ou seja, o clima espiritual e intelectual da época para controlar o que adentra os corações da humanidade. Temo que JÓIAS BRUTAS seja uma representação contundente de uma realidade pós-moderna, comandada pelos desejos do coração envolvendo o dinheiro e a sexualidade, em uma busca incessante pelo prazer e pelo lucro. Busca esta que, inevitavelmente, acaba com sua devida recompensa (Rm 6.23). Tim Keller demonstra em seu livro “Deuses Falsos” que o secularismo em nossa cultura nos conduz a um materialismo desenfreado e o endeusamento do amor romântico, da beleza física e do lucro.

O entendimento da queda do homem dentro da narrativa cristã não deve servir para justificar o comportamento do protagonista do filme em questão, mas sim para jogar luz em nossa vida, entendendo que em alguma medida também criamos ídolos em nosso coração, o que nos afasta de Deus.

O engano e a mentira, que Ratner adota como estilo de vida, tem sido o modus operandi de Satanás desde o Jardim do Éden. Para continuar justificando esse comportamento que imita o Diabo, criamos ídolos que continuamente nos levam a continuar pecar contra Deus e sua ordem estabelecida. A solução para evitar um desfecho como o de Howard Ratner está única e exclusivamente no Evangelho de Cristo Jesus: sua morte expiatória na cruz, que nos redime de qualquer medida de pecado em nossos corações.

Fujamos do secularismo caótico dos Irmãos Safdie. Não existe concepção de vida cristã ensimesmada, tendo de suas ambições pessoais um ídolo que guia suas intenções. Através desse entendimento de nossa condição pecaminosa, e da nossa fé em Cristo Jesus, somos convocados a um final infinitamente superior ao de Ratner em JÓIAS BRUTAS. Deus, através de sua Palavra, expressa suas perfeitas obras com ordem e beleza, e não através do caos egoísta e pecaminoso.

Gustavo Scholl Ventura tem 22 anos, é estudante de Economia na ESALQ/USP e incansável amante da sétima arte. Cristão, membro da Igreja Presbiteriana Aliança em Limeira, tenta enxergar cada dia um pouco mais da beleza do Criador na arte. Aprendiz também da música e da teologia, busca na escrita uma forma de comunicar a graça de Deus. Desde 2016 escreve críticas de cinema, artigos e crônicas em seu site www.gsventura.com.

--

--

Coletivo Tangente
ColetivoTangente

Somos uma comunidade de cristãos dispostos a pensar arte, entendendo-a como um ponto tangente, um ponto de contato entre a fé cristã e a cultura.