Letras, Arte e Comunidade

Kaiky Fernandez
ColetivoTangente
Published in
4 min readFeb 13, 2018

Em 2014 surgiu o Tipografeed: um grupo de Facebook com o objetivo de discutir e fomentar a cultura tipográfica e seus desdobramentos, como a caligrafia e o lettering. No ano seguinte, começaram a acontecer encontros presenciais do grupo para estudarem juntos, praticar caligrafia, atrair novos públicos.. todos eles gratuitos e geralmente feitos em locais públicos daqui de Goiânia. Algum tempo depois, aqueles que eram mais engajados e se dispunham a organizar o grupo se juntaram como coletivo. Surgia aí o Coletivo Tipografeed, do qual faço parte, e através do qual já tive a oportunidade de fazer trabalhos para clientes como Skol, Sebrae Goiás e a banda Carne Doce.

Mural sendo pintado pelo Coletivo Tipografeed em 2016, na cidade de Goiânia.

Certa vez, fomos convidados a participar de uma mesa redonda no Senac, para os alunos do curso de design gráfico. Não me recordo de tudo, obviamente, mas lembro de frisar a importância que estava sendo para mim - um estudante, na época - participar de um grupo como o Tipografeed. Na ocasião, pude incentivar os estudantes que lá estavam a se unirem em grupos de interesse também, seja de qual área fosse.

No Coletivo aprendi coisas que a faculdade não me proporcionou. Fiz trabalhos para grandes e pequenos clientes, aprendi a lidar melhor com eles, a lidar melhor com imprevistos, a lidar melhor com outros profissionais. Além disso, estar em grupo proporcionou uma condição em que sempre podemos compartilhar nossos trabalhos uns com os outros para sermos avaliados, receber opiniões, críticas e sugestões. Sem dúvida, isso é algo muito enriquecedor. Podemos compartilhar nossas descobertas, nossas leituras, aquela nova técnica que está nos causando inquietação ou euforia.

Mesa-redonda sobre tipografia no Senac. Da esquerda para a direita: Eu, Mateus Feitosa, Paula Thais, Richard Melchiades (na época, todos eles integrantes do Tipografeed) e Arthur Régis.

Segundo Rookmaaker[1], após o Renascimento, a arte, que até então era algo presente no dia a dia das pessoas, presente na vida ordinária, presente no cotidiano por meio de artesãos, carpinteiros, escultores etc., ganhou o status de "belas artes". Passou a ser executada não mais por pessoas comuns - que tinham um grande senso estético e um grande apreço técnico, mas sim pôr "gênios", pessoas "iluminadas". Com essa mudança, os artistas passaram a viver de forma cada vez mais isoladas, em seus ateliês, sem um verdadeiro senso de comunidade. A própria arte foi tirada da vida cotidiana e passou a ter locais próprios, isolados, como os museus. E isso permanece até hoje!

Mas contrapondo e denunciando essa condição, o músico Michael Card[2] diz algo muito interessante:

“Historicamente, os maiores períodos de criatividade foram resultado da vida em comunidade.”

Segundo o próprio autor, é impossível que a arte aconteça no vácuo. Ela requer troca - tanto dar, quanto receber - para acontecer. Sendo assim, uma comunidade de artistas é um terreno fértil para o aprendizado e a criatividade. Ter pessoas para as quais prestamos contas acerca do que pensamos e produzimos gera em nós um senso de relacionamento, de respeito e de confiança, nos propiciando um ambiente favorável para a liberdade criativa que, muitas das vezes, é podada pela esfera comercial.

“Encontro de Práticas de Caligrafia e Lettering”, evento gratuito e aberto à comunidade, promovido mensalmente pelo Coletivo Tipografeed.

Indo nesta mesma direção, Austin Kleon, autor do best-seller “Roube Como Um Artista”, começa um outro livro de sua autoria[3] falando sobre o grande mito do “gênio solitário”. Segundo ele, a maneira mais saudável de se pensar a criatividade é através de uma “cena”, ou seja, um grupo de indivíduos que formam um “ecossistema de talentos”, reconhecendo que a criatividade é um processo colaborativo de pessoas que estão conectadas umas às outras. Segundo o autor, fazer parte da cena não depende do quão bom somos, mas do quão dispostos estamos a contribuir com ela e com quem dela faz parte:

“Ser uma parte valiosa da cena não está relacionado necessariamente com sua esperteza ou talento, mas sim com o que se tem para contribuir — as ideias compartilhadas, a qualidade das conexões feitas, as conversas puxadas.”

Aonde quero chegar com isso é demonstrar que precisamos uns dos outros. Creio que o anseio por relações é algo intrínseco à nossa essência enquanto seres humanos, e na arte isso não deve ser diferente. Devemos nos empenhar por um esforço relacional, por participarmos de uma comunidade, de uma cena. Isso será bom para nós, será bom para o nosso próximo, será bom para a sociedade.

Aceita o desafio? Vamos nessa?

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Referências:

[1] A Arte Não Precisa de Justificativa (Hans Rookmaaker)

[2] Cristo e a Criatividade (Michael Card)

[3] Mostre Seu Trabalho (Austin Kleon)

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