Manifesto

Anna Paula Telles Vieland
Coletivo Yama
Published in
4 min readOct 7, 2020

Todo ser vivo chega ao mundo com a certeza de que receberá acolhimento. Todos nós, além do acolhimento, esperamos de alguma forma a compaixão, a generosidade, a empatia, a escuta e a identificação — e isso acontece desde o momento em que nascemos.

Somos a espécie que depende por mais tempo dos cuidados do outro e, à medida que crescemos, parece que vamos perdendo nossa humanidade. Vamos nos esquecendo de quem somos e dessa nossa relação de interdependência.

Somos seres plurais, entregues a um cotidiano cujo modelo estrutural é promotor de um exponencial distanciamento das relações genuínas, sejam tanto externas e interpessoais, que deveriam ser inspiracionais, como internas, íntimas, que deveriam servir de morada segura para nossos sentimentos e reais necessidades.

Como resultado disso, agimos com uma conivência involuntária para a construção de um ambiente sistematicamente tóxico, potencialmente crítico, que vem estimular a competição e o julgamento desenfreado, a sobrecarga de informações sem filtro, a dependência tecnológica, o incentivo ao consumo exacerbado e a superficialidade das interações humanas.

Passamos então a coisificar as pessoas, nos servindo delas como um meio e não como um fim, assumindo o fato de que não são seres racionais e que merecem respeito — respeito por sua singularidade e inteligência, respeito pelo contexto onde estão inseridas.

Quando fazemos isso, não percebemos que estamos violando; não damos conta da violência velada cada vez mais danosa que este modelo traz à mente, que vem endossar constantes processos de autocrítica, autojulgamento, e autossabotagem.

Daí entramos no cenário da violência, das atitudes violentas, e acabamos por ser diariamente coniventes com elas. Estabelecemos relações de punição com nós mesmos e com as outras pessoas.

Nos vemos a uma certa distância de sentir e perceber, de poder sugestionar algo novo, que gere impacto positivo; nos vemos entregues à dúvida, ao desânimo e, por vezes, à iminente desistência. Uma ansiedade recorrente por aquilo que nem sabemos se irá atender o que precisamos — e isso nos fere no que é mais nobre: a presença e a paz que deveríamos sentir estando conosco.

Como sair desse modo conivente com a violência? E como resgatamos a nossa humanidade?

Com o convívio, sustentando reciprocidades; é preciso quebrarmos paradigmas, é preciso ir além do status quo, sair do modo automático, passivo, e expressar aquilo que de fato somos, aquilo que queremos nos tornar.

Todos queremos ser felizes, fazemos escolhas que acreditamos nos levarem a uma vida mais maravilhosa. Mas, como obter satisfação e realização agindo de forma isolada, se somos seres interdependentes?

Será que existe uma forma de fazermos escolhas mais conscientes? De pensarmos em nós mesmos e também nas outras pessoas, em tudo que nos permeia? Uma convivência ética, pacífica, sustentável, psicologicamente integrada e espiritualmente fecunda, que resgate o melhor de cada um de nós?

Isso tudo não é sobre eu, ele, ela, você, é sobre nós. É sobre reconhecer o vínculo universal que nos conecta, sobre encontrar formas para que a nota fundamental que existe em cada um de nós esteja presente na composição da sinfonia da vida.

Sobre dar um novo significado para a forma que nos relacionamos conosco, com as outras pessoas, com o todo. É sobre criar conexões mais significativas com as pessoas com que convivemos, independente de qual seja o contexto em que estamos, concentrando esforços para promover mudanças sociais.

Precisamos honrar e reconhecer a nossa espécie e o universo que nos acolhe, resgatar nosso senso de pertencimento, só assim passaremos a nos auto responsabilizar por cada pensamento, sentimento e comportamento, pelo impacto que temos no ecossistema da vida.

Foi a partir da coragem para um momento de pausa consciente e reflexão sobre as reais motivações de nossa existência, sobre compreender se estamos empreendendo energia naquilo que realmente fará diferença positiva para nossas vidas e também do desconforto e da dor gerados pelo entendimento do modelo mecanizado que nos força a ceder incessantemente horas de energia física e mental sem propósito, que nasceu a intenção de se fazer algo, de se iniciar um movimento que possa trazer novo significado ao pensar e agir, cujo resultado disso pudesse vir a promover uma verdadeira regeneração.

Não queremos ir rápido, queremos ir longe e, para ir longe não podemos ir sozinhos.

Por isso somos um Coletivo, um coletivo que acredita que é possível estabelecer a arte da convivência. Um coletivo que une pessoas com o mesmo propósito — o propósito de plantar sementes de transformação, sementes de paz.

Sementes de ampliação da consciência, do cultivo de uma estrutura mental e emocional que nos facilite estabelecer e manter um estado de paz, nos conectando com o equilíbrio e a humanidade que existe em nós, criando novas possibilidades.

Só a paz com nossos corações pode refletir na paz com mundo, pois a violência de fora é reflexo de dentro.

Utopia? Talvez! Sabemos que não podemos mudar o mundo, mas podemos — e precisamos — oferecer nossa parcela de contribuição. É essa inquietação que nos move.

Para tornar isso possível, o que é necessário? Coragem!

Coragem para rejeitar uma cultura de violência, para falar sobre algo que incomoda e que muitas vezes é velado, para dar colocar luz sobre o que as pessoas precisam, coragem para reconhecer a forma como nos relacionamos, para incentivar o autoconhecimento e a auto responsabilização de nossas ações e emoções.

Coragem para o cuidado, para nos preocuparmos genuinamente com o que as outras pessoas sentem e precisam. Coragem para cuidar de nós mesmos. Coragem para a ação e, quando necessário, gerar conflitos com objetivo de promover a sensibilização e a compreensão sobre os fatos; engajar o diálogo.

Coragem não apenas para falar sobre a não violência, mas para vivê-la, incorporá-la em nosso dia a dia, em nossas relações.

Nunca duvide que um pequeno grupo de pessoas conscientes e engajadas possa mudar o mundo. De fato, sempre foi assim que o mundo mudou.

(Margaret Mead)

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Anna Paula Telles Vieland
Coletivo Yama

Encorajando conexões mais gentis e fomentando a gestão humanizada para a criação de produtos com empatia e propósito.