A padaria (upm #2)
Por Tiago de Moraes
Domingo é dia de tomar café na padaria. Mesmo sem a mínima vontade de sair de casa, de um jeito ou de outro o estabelecimento recebe um check-in no Swarm. Deve ser uma conspiração do destino. A louça sempre acumula desde a noite de sexta-feira, assim como a percepção que a despensa está vazia justamente quando os supermercados já fecharam as portas.
Pelo entra e sai de clientes, tomar café na padaria é quase um hábito nacional, principalmente pelos frangos, costelas bovinas e pernis assados colocados de forma estratégica nas calçadas, para o deleite dos cachorros de ruas e os motoristas desesperados pelo almoço. A minha panificadora preferida é um estabelecimento recente, localizado na avenida principal do Mary Dota. Fica longe de casa, mas vale a pena. Não é a mais barata, R$ 10,95 no quilo do pão fica longe de uma barganha. Um lugar agradável, inspirado na tradicional arquitetura do puxadinho brasileiro. A atendente sempre se esquece de registrar alguma coisa, o pingado ou o pão de queijo, intercalando entre os dois dependendo do domingo.
Chego lá religiosamente às 10h40. A televisão de LCD instalada na parede está sintonizada no esporte e próximo do caixa tem uma quantidade considerável de jornais à venda. Desta forma, a discussão sobre o universo das notícias não se encerra no final de semana. Conversando com os demais clientes na fila do pão, é nítida a frustração de cada um ali. O dia de descanso é tomado pelos desmandos do mundo político. O preço da gasolina, o aumento de impostos, contas secretas em paraísos fiscais, negligência e descaso com a administração pública, corrupção, lobby, entre outras incontáveis coisas relacionadas com o jogo do poder. Estes são noticiados pela imprensa que também possui interesses econômicos e políticas editoriais.
A padaria, como esfera pública de discussão social e espaço para os (sempre rápidos) livres debates, tem os seus assuntos pautados pelo universo do poder que, apesar de intimamente relacionado, parece ignorar a realidade de grande parte da população. A metáfora do trem “Perfuraneve”, da graphic novel homônima, em que os sobreviventes de uma catástrofe climática são separados em vagões conforme sua classe social, da massa para as elites, ou o mundo distópico do clássico filmeMetropolis,é estarrecedoramente aplicável nos dias atuais, guardadas as devidas proporções.
Retornando ao café da manhã, o sentimento de impotência sobre os rumos da sociedade dissipa-se da minha mente quando a atendente entrega o saco de pão. Entro na fila e aguardo a minha vez de pagar a conta. Repentinamente, todos vibram quando o canal de esportes exibe os gols da noite anterior no Brasileirão.
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