A Benção e a Maldição do Nubank

Como eu vejo a transformação da percepção do design nas grandes corporações.

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5 min readOct 16, 2020

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imagem facebook Nubank

Durante décadas o design foi ignorado por uma fatia do mercado, uma fatia expressiva que sempre teve muito dinheiro coisa rara na área de design. Área financeira em geral, bancos e corretoras de investimento, grandes corporações que raramente entendiam o por que e o para que do design. Suas áreas de marketing muitas vezes colocavam muito dinheiro em campanhas e pouco em branding, marca, design de interface, identidade visual, enquanto em filmes de TV investiam milhões de reais.Uma reclamação constante era a falta de unidade do que se via enquanto marca fora e dentro das instituições, por exemplo apresentações e subprodutos mal feitos, mas quando o briefing disso vinha, sempre acompanhava a fala: — Temos pouca verba para criar esse trabalho, ou seja, investir em design.

Não existiam áreas de design dentro dos bancos e os poucos que existiam eram tímidas e pequenas, geralmente submetidas ao marketing onde o fluxo acima acontecia. Sempre sobrecarregadas e subestimadas.

O mercado era dominado, e ainda é, em grande parte pelas agências de publicidade que em muitos casos não tinham profissionais especializados para desenvolver por exemplo: identidades visuais e as aplicações que eu citei acima porque jobs como esses são pequenos para agências, são caros e tratados como produção. Lógico, não é o foco de uma agência e cada departamento “interpretava” o direcionamento institucional.

Por conta disso durante anos e anos, como designer, era muito mais fácil atender uma pequena empresa do que qualquer instituição financeira. Empresas essas que inclusive pagavam melhor, porque valorizavam e entendiam o trabalho e seu impacto.

E aí que entra o efeito Nubank.

Acredito que um bom paralelo é o efeito que o Google provocou quando mudou toda sua identidade visual e transformou o planeta em um grande 2D/FlatDesign. Sofremos dessa consequência até hoje rs. As comparações começam no espaço físico, como os escritórios cada vez mais descolados:

— Nossa!! esse lugar parece o Google!

Ou seja, existe uma referência para o mercado que uma mesa de bilhar, uma rede e uma área open space ganha a alcunha de descolado por conta de uma referência que normatizou algo que muitos espaços tinham há anos.

Até aí tudo bem.

Mas voltando pro Nubank, ele trouxe para o mercado uma luz para um lugar que poucos observavam, reparavam e não davam valor: o design.

imagem facebook Nubank

Com sua paleta de cor arrojada para um mercado tão conservador, mais burocrático e corporativo ele trouxe um roxo vivo, vibrante! Uma cor que não tinha como não chamar atenção, o famoso mamãe não me perca na neblina.

Mas o diferencial não parava na paleta de cor, a tipografia arrojada, as aplicações de marca nada convencionais, o tom de voz, e o cartão do cliente/correntista que por si só já era a maior propaganda dessa nova instituição financeira. A fila de espera para ser cliente Nubank criou o fenômeno fãs de banco, algo impensável no Brasil onde eles são vistos como nossos inimigos, guardiões do nosso dinheiro e dos juros mais abusivos do planeta. Ou seja, o design e o propósito do banco mudaram o mercado.

Mas não vou entrar no mérito do como Nubank virou diferencial. Vou me ater apenas ao design.

O Nubank sempre teve uma área dedicada ao design. Em 2018 fui convidada via IdeaFixa para conhecer o novo app do Nubank. Nesse dia conheci a equipe de marketing, o David Velez, CEO e Guilherme Neumann, Head of Design do Nubank Brasil. O Guilherme liderava o time do design studio. Tive o prazer de conhecê-lo melhor e entrevistá-lo:

Hoje o time de design está presente em quase todos os squads/times do Nubank, somos uma chapter/equipe única que fica distribuída pelos projetos. E levar a visão e pensamento de design para esses times é o nosso principal papel, ajudando desde o entendimento do problema ao resultado estratégico.

O time hoje é composto por designers de produto, user experience, brand, ilustração, pesquisa, direção de arte, que não se limitam a sua expertise principal e estão constantemente aprendendo e colaborando uns com os outros. Diretores de arte, por exemplo, que nunca tinham pensado em conversar com usuário, hoje já enxergam o impacto que isso tem no nosso trabalho e não se intimidam em conduzir uma pesquisa.

entrevista completa: Design dentro do Nubank, 2018, Ideafixa

Ou seja, desde seu início o Nubank sabe que o design está por trás de tudo. Ele botou luz no design, ele valorizou a nossa área. Ele mostrou o que uma empresa pode ganhar apostando investindo em design, mais em um bom design, em design baseado em pesquisa, baseado no propósito, em estratégia em foco no cliente, e em resolver um problema, em unidade e conscistência. O Nubank entende que o design não só para gráfico, mas para comunicação geral, alinhada e única. O Nubank nos ajudou enquanto designers numa época em que design de serviço, de experiência e o design gráfico nunca foram tão comentados.

Ponto para os designers que são mais valorizados e agora procurados por grandes marcas que percebem que necessitam de uma mudança, que o caminho digital é irreversível, que o humano esta no centro de tudo e que o design é esse “entre coisas” que facilita e resolve os problemas.

O Nubank inovou, procurou um diferencial, trouxe uma nova linguagem e mudou o mercado.

Agora, deixo com vocês essa provocação e reflexão que faz parte do meu jeitinho de ser: todo bônus tem seu ônus. Da mesma forma que aconteceu com o Google nós designers somos procurados para um trabalho e os clientes nos pedem sempre a mesma coisa: queremos alguma coisa tipo Nubank.

Aí o que eu falo pra vocês: — vocês não entenderam nada.

Vanessa Queiroz Co-fundadora, Designer e Novos negócios do Colletivo

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