A arte da conquista démodé

O estranho mundo dos homens que pretendem empoderar mulheres com discursos machistas e promessas de relacionamentos sólidos à base de regras

Gabriella Lopes
Coloco em palavras
Published in
4 min readAug 12, 2020

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Semana passada estava passeando pelo YouTube e fui impactada por um vídeo de um coach de relacionamento. Pelo título, fiquei curiosa para saber do que se tratava o conteúdo e quem estava falando. Não demorei a perceber que o vídeo era um dos tantos que prometem ensinar “mulheres de valor” a “quebrarem o código dos homens” e, assim, conquistarem seu par ideal. Respirei fundo e me preparei para explorar a temática de modo a construir um pensamento crítico, sem fazer pré-julgamentos.

Eu já sabia que os influenciadores digitais deste ramo faziam sucesso ao redor do Brasil dando palestras e ministrando cursos, mas não imaginava o tamanho do alcance e do engajamento que eles atingem nas redes sociais. Aqui me refiro APENAS aos que prometem fórmulas mágicas para assuntos do campo emocional e não aos profissionais sérios da área. O conteúdo produzido por eles é problemático. Para começar, características machistas são identificadas à primeira vista. Um homem não pode querer ensinar a uma mulher como ela deve se comportar, nem presumir que encontrar um parceiro é seu grande objetivo de vida. Estamos entendidos?

Basicamente toda menina cresce sob as influências do amor romântico presente nos contos de fadas. Mas a idealização feminina de encontrar o príncipe encantado já não faz mais parte da realidade. A própria Disney já atualizou suas narrativas. A mulher tem muitas outras preocupações que não envolvem o “felizes para sempre”. Se apaixonar é incrível, amar e ser amado está entre as melhores coisas da vida. Mas ter alguém do lado não deve, sob hipótese alguma, ser fator obrigatório para atingir a felicidade.

Conforme fui assistindo a alguns vídeos deste universo, percebi que uma das principais mensagens transmitidas constantemente é: a mulher precisa se esforçar para conquistar alguém bacana. Em nenhum momento é sequer citado que os relacionamentos são uma via de mão dupla. E a sensação de unilateralidade pode acabar legitimando a acomodação de alguns homens. Infelizmente, muitas pessoas acabam absorvendo o que assistem sem questionar e entram nas mais diversas furadas. A primeira delas é seguir o passo a passo sugerido por esses profissionais.

“A humanidade é masculina, e o homem define a mulher não em si, mas relativamente a ele; ela não é considerada um ser autônomo.” — Simone de Beauvoir em “O Segundo Sexo”.

A pressão da sociedade patriarcal sobre as mulheres não é nenhuma novidade. A idealização da “mulher perfeita” partir do imaginário coletivo faz com que todas se sintam, em algum grau, pressionadas a preencher padrões de beleza e personalidade que não necessariamente condizem com a realidade. Precisamos ser bonitas, magras (mas não muito), doces, recatadas, inteligentes (mas não muito), vaidosas (sem exageros) e muitas outras coisas. Sempre quiseram nos impor regras e ditar o que deveríamos ser.

“O ceticismo da época moderna desaparece quando o assunto é a beleza feminina. Ela ainda é descrita — na verdade mais do que nunca antes — como se não fosse determinada por seres mortais, moldada pela política, pela história e pelo mercado, mas, sim, como se houvesse uma autoridade divina lá em cima que emitisse um mandamento imortal sobre o que faz uma mulher ser agradável de se ver” — Naomi Wolf em “O Mito da Beleza”.

De volta aos influenciadores, de acordo com eles, as mulheres precisam ser misteriosas. Podem ser sedutoras, mas sem perder a mão. Não podem abrir o jogo tão rápido. Algumas palavras devem ser evitadas para não assustar ou gerar impressões erradas. Atitudes precisam ser milimetricamente planejadas. Esse discurso te parece familiar? Estas são algumas das frases típicas que nós, mulheres, passamos a vida inteira ouvindo. Não por acaso muitas crescem com necessidade de validação, dificuldade de dizer “não”, se tornam dependentes e caem em relacionamentos abusivos com facilidade.

Outro problema notável é a maneira como os relacionamentos são tratados de maneira burocrática e cheia de regras. Ensinar que amar é um jogo é, no mínimo, irresponsável. Além disso, pode colaborar para potencializar questões como a dificuldade de confiar, estabelecer vínculos ou cultivar conexões profundas. Se relacionar não deveria implicar em seguir um manual de instruções ou em travar uma disputa de quem se importa menos. Os amores atuais já são líquidos o bastante e não precisam de mais incentivos para se tornarem um jogo. A nossa essência é o que temos de mais valioso. Se afastar dela para conquistar alguém definitivamente não deveria ser uma dica de ouro.

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