Doce lembrança de um passado sempre presente

Gabriella Lopes
Coloco em palavras
Published in
3 min readSep 14, 2017

Quando eu era bem pequena, pedia para vô Nelson abrir o carro estacionado na garagem para que eu pudesse brincar de levar minhas bonecas para a escola. Às vezes ainda o convocava para ser meu copiloto. Eu poderia passar uma tarde dentro daquele Kadet vinho brincando de dirigir. Ele era um vovô desses bem babões, que estava disposto a qualquer coisa para ver a netinha feliz. Vô Nelson me buscava na escola, no curso de inglês e onde mais fosse preciso. Ele SEMPRE tinha tempo para mim. Se não tivesse, arrumava.

Ele era o cara mais prestativo que já conheci. E popular também. Não havia na vizinhança alguém que não o conhecesse e, melhor, o adorasse. Afinal, qualquer motivo se tornava propício para um longo bate-papo esquinas afora. Se tivesse uma cervejinha então, melhor ainda. Ele gostava de contar piadas e relembrar histórias. A viagem para Portugal de navio e o perrengue do dia do nascimento do meu padrinho (filho dele) em plena quarta de cinzas eram as mais pedidas.

Ele passava horas em frente à televisão assistindo a jogos de tênis, futebol, basquete, vôlei e, se bobear, até bocha. Não por acaso, foi ao lado dele que comecei a me interessar por esportes em geral. Em dias de jogos decisivos da seleção masculina de vôlei, ele vivia em uma relação constante de amor e ódio com Giba. “Esse Giba é um merda”, resmungava ele quando o ponteiro falhava. Logo as falhas davam lugar a shows em quadra e vô Nelson dizia orgulhoso “O Giba é fora de série! Igual a ele não tem”.

Ele chorava em todo fim de ano com o filme “Milagre na Rua 34”, que passava repetidas vezes na Sessão da Tarde ou em canais a cabo. Ele era mesmo uma manteiga derretida. Se emocionava com tudo e não fazia questão de esconder a sensibilidade de ninguém. Por falar em temas natalinos, a infância difícil de vovô Nelson não permitiu que ele tivesse um Papai Noel. Motivo pelo qual ele tirava sarro ano após ano dizendo “que Papai Noel mais filha da puta era o que eu tinha”.

Como se pode perceber, vô Nelson era dono de um vocabulário escrachado com um vasto repertório de palavrões. Quando comecei a entrar na adolescência, ele repetia pra mim a mesma frase que dizia para a minha mãe “estuda bastante que é pra não depender de filha da puta nenhum”. Esse era o jeitinho que ele encontrava de incentivar a nossa independência.

Vô Nelson era um leonino turrão e travava discussões com a família por motivos bobos na mesma medida em que unia a todos. Com ele aprendi um tanto. É bonito perceber a maneira leve e simples como ele levava a vida porque sabia que não precisava de muito para ser feliz. O dia a dia ao lado dele era uma verdadeira festa.

Quando vô Nelson partiu eu tinha 14 anos. A gente não teve tempo de se despedir, até porque ele não queria ir embora. Ainda bem que eu não poupava declarações. Gritava de outro cômodo da casa só para dizer que o amava. E como amo! Acho que ele iria gostar de ver a pessoa que me tornei. E quem sabe não está vendo? Vô Nelson está vivo em mim. Pra sempre.

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