Lady Laura, me conte uma história

Gabriella Lopes
Coloco em palavras
Published in
3 min readJul 31, 2019

Escrevo bastante desde que fui alfabetizada. Na família da minha mãe todo mundo sempre gostou de colocar as palavras no papel. Meu avô enviava cartas para minha avó quando eles namoravam. Ela, por sua vez, é a rainha dos bilhetes. E minha mãe rabisca até em guardanapo. Mas ao que parece esse hábito veio ainda mais de cima.

Esses dias, revirando meus guardados, encontrei os escritos da minha bisavó Laura, com quem convivi diariamente até os meus 13 anos. Eu achava o máximo ter uma bisavó tão lúcida e independente, diga-se de passagem! Vaidosa e ativa, ela gostava de ter autonomia. Era bastante expressiva, tornando fácil saber quando algo não ou alguém não a agradava. Falava na língua do “P” com uma rapidez invejável, tinha memória de elefante e fazia previsões sempre certeiras.

Bisa Laura era doce, mesmo já tendo experimentado amargor. Cultivava um humor ácido e não tinha papas na língua. Era sempre forte, mesmo com saúde frágil. Tinha a respiração fraquinha em decorrência de um enfisema pulmonar, mas não lhe faltava gás pra fugir das ciscadas de Renato Gaúcho (não o jogador, mas o galo abusado da minha avó que foi batizado como tal).

Ela tinha um assunto de interesse bastante específico quando pegava o lápis: eu, sua primeira bisneta. Bisa Laura fez o diário de infância informal mais detalhado que alguém poderia ter. Só ela registrou que com um ano eu tinha oito dentinhos e era muito medrosa. Bem, hoje tenho 25 anos, 28 dentes e ainda sou medrosa. Fora os outros tantos pormenores da minha vida que ela tomou nota em seus infinitos bloquinhos. Quando aprendi a escrever, não demorei a tentar retribuir todo o amor em palavras.

Quando me perguntam se me considero mimada por ser filha única primeira neta e primeira bisneta, sempre tendo a responder que não porque atribuo sentido pejorativo ao adjetivo. Mas, por definição, mimado se refere a algo ou alguém que foi tratado com mimo. Nesse sentido, fui (e ainda sou) muito mimada.

Bisa Laura brincava comigo no cercadinho, passava minutos me fazendo cafuné, deixava eu pintar suas unhas e fazer sua maquiagem. Aos fins de tarde, tomávamos sopa e assistíamos aos programas preferidos dela no SBT. Fecho os olhos e ainda posso vê-la sentadinha em sua varanda com seus vestidos floridos. Ler estes guardados é como sentir seu carinho incondicional mais uma vez.

A minha avó tem muito da minha bisa, até nas expressões faciais. A minha mãe absorveu muito da minha avó e eu, felizmente, tenho um tanto de todas elas. Não só na construção da minha personalidade como das minhas memórias mais nítidas. Bisa Laura permanece em todas as minhas orações e se mantém viva no meu coração. Hoje sou eu quem eterniza suas histórias.

--

--