O WhatsApp podia cair mais vezes

Gabriella Lopes
Coloco em palavras
Published in
3 min readOct 5, 2021

Não me leve a mal, eu faço reverência à tecnologia e sou grata por tudo o que ela proporciona. O WhatsApp é uma ferramenta e tanto, mas precisamos chegar a um acordo de que o ser humano acabou exagerando na maneira de utilizá-la. Parte-se do princípio de que quem tem um celular está obrigatoriamente conectado, mas será que não temos o direito à desconexão?

A instantaneidade das redes sociais causa forte sentimento de urgência. Todas as respostas precisam ser ágeis, independente de quando são solicitadas. Você já se pegou parando o que está fazendo para responder uma mensagem? Eu faço isso o tempo todo. Interrompo minhas tarefas e fluxos de pensamento para dar conta da demanda de outrem que apita no meu celular. A terapia tem me ajudado, mas sinto que a sociedade vem normalizando a relação nociva das pessoas com seus dispositivos móveis.

Há um consenso de que, já que o WhatsApp facilita e acelera a comunicação, as respostas precisam ser rápidas. Percebo que o estranhamento diante da "demora" alheia é cada vez mais comum. O amigo que não responde imediatamente é sempre julgado pelos demais. Como se ele não tivesse o direito de estar trabalhando, assistindo a um filme ou cozinhando. A ideia de que precisamos ser multitarefas e conectados coloca fim na atenção plena.

Atualmente, usa-se o termo nomofobia para designar a dependência do smartphone. Um estudo brasileiro realizado pela pesquisadora Anna Lúcia King, da UFRJ, verificou que 34% dos entrevistados afirmaram ter alto grau de ansiedade sem o telefone por perto. Afinal, tomamos café da manhã lendo os e-mails do trabalho, fazemos academia ouvindo podcasts e almoçamos enquanto fazemos uma reunião online.

A maioria das pessoas que hoje está no mercado de trabalho usa o WhatsApp para fins comerciais. Não há escapatória. Ainda que se tenha um cronograma de afazeres a cumprir, é comum que ele seja constantemente interrompido a partir das demandas de co-workers, fornecedores ou clientes que surgem no aplicativo. Quando a resposta não chega com agilidade, a cobrança aparece de maneira inversamente proporcional.

A partir do momento que a ferramenta se tornou útil no dia a dia dos profissionais, ficou ainda mais difícil estabelecer limites. Mesmo que o colaborador esteja envolvido em uma tarefa, há uma expectativa de que ela esteja - simultaneamente - à disposição no WhatsApp. A facilidade e a informalidade do aplicativo facilitam os excessos. Não é incomum que pessoas recebam uma enxurrada de mensagens fora do horário de trabalho, mesmo quando as solicitações poderiam esperar até o próximo dia útil. É fácil, é prático e é invasivo também. Será que estar conectado implica em estar disponível?

Vida pessoal e profissional se fundem através do WhatsApp. Mesmo nos momentos de lazer, acaba sendo difícil se desligar completamente. Os estímulos visuais e sonoros geram curiosidade e tiram o foco do cérebro. Estamos fazendo várias coisas, mas não estamos verdadeiramente dedicados a nenhuma delas. Buscamos otimizar nosso tempo, mas não valorizamos o tempo que temos porque preenchemos estes espaços para que nos sintamos produtivos.

Precisamos domesticar nossos dispositivos eletrônicos para que eles se adequem a nossa rotina e não o contrário. Para isso, é necessário também se despir da ideia egoísta de que as pessoas precisam estar ao nosso dispor o tempo todo. Cabe a nós, enquanto sociedade, um olhar mais cuidadoso para a maneira como estamos nos relacionando a partir das tecnologias. Estamos nos cobrando em excesso e também estamos exigindo demais do outro. O Whatsapp não costuma sair muito do ar, mas podemos tirá-lo do ar em alguns momentos da nossa rotina para que tenhamos um desempenho concentrado naquilo que nos propomos a fazer. Apesar de parecer irreal, é possível fazer uma coisa de cada vez

Quais foram suas perdas e ganhos nesta tarde de desconexão forçada, sem Whatsapp, Facebook e Instagram?

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