Ser intenso é sentir em dobro

Gabriella Lopes
Coloco em palavras
Published in
2 min readApr 22, 2020

Durante bastante tempo da minha vida lutei contra minha própria intensidade. Viver por inteiro é algo extremamente condenado pela minha geração, que tem questões seríssimas em relação à fobia de afeto. Me encolhi para caber numa caixinha e obviamente não suportei conviver com apenas metade de mim.

Ser intenso é transcender o que é considerado normal. Aliás, o que é normal? Acho que essa palavra deve ser ressignificada. Quem convive com a intensidade quer ser livre para transbordar cada dia um pouco mais. Faz parte da essência. Não é uma qualidade, nem um defeito. É um traço de personalidade.

A intensidade se materializa no abraço apertado e no olhar que atravessa. No sorriso largo. No café forte. Na palavra certeira. No conselho arrebatador. No gesto inesperado. Em cada ação corriqueira do cotidiano pode haver uma manifestação de todo esse vigor.

Me percebo intensa quando assisto a um filme do Almodóvar e sou capaz de passar horas refletindo sobre o que ele me causou. Ou quando escuto uma música nova do Childish Gambino e percebo a energia boa que ela transmite. E principalmente quando falo sobre qualquer assunto do meu interesse e, numa conversa amena, sou capaz de desenvolver uma tese de doutorado acerca do tema.

Ser intenso é sentir em dobro. É poder estar feliz em níveis estratosféricos ou embebido de uma tristeza profunda. É ser um pouco ansioso e colecionar algumas urgências que podem nem ser tão urgentes assim. É estar sempre em busca de algo. É ser fogo. É gostar. Imprimir paixão. Se doar. Demonstrar. Tudo isso em looping.

Ser intenso não necessariamente é ser impulsivo. É não se poupar de sentir e deixar transparecer. Se expor. É se dedicar a projetos, pessoas e situações. Ter medo, mas não se deixar paralisar. É evitar tudo o que é superficial. É criar expectativas nas pequenas coisas e poder ter a frustração como consequência. Talvez seja esse o maior ônus da intensidade. Nada que um pouco de terapia, autoconhecimento e inteligência emocional não resolvam.

A intensidade pode ser comumente associada à desequilíbrio ou exagero, mas na verdade é movida por um exercício constante de equalizar altos e baixos. Ao contrário do que pensam, não é viver como se o mundo fosse acabar amanhã. É valorizar cada dia de maneira única. É procurar deixar marcas positivas em tudo o que se faz.

É impossível e injusto tentar abafar a própria intensidade ou a de outra pessoa. Ao contrário, é preciso se abrir para enxergar beleza na complexidade de cada um. Diferenças trazem frescor e tiram da zona de conforto. As descobertas são infinitas para quem está disposto a conhecer a si mesmo ou a alguém. Sejamos inteiros.

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