Luto infantil é tema em Mamãe, Mamãe, Mamãe
Mamãe, mamãe, mamãe é um filme muito bonito acerca de um assunto tão trágico. Pra começar, a diretora Sol Berruezo Pichon-Rivière tem apenas 24 anos e esta é sua estreia no cinema. Ela já começa muito bem, indicada a dois prêmios no festival de Berlim. Incontestável sua habilidade em traduzir o universo feminino para as telas, de abordar de um assunto difícil como a morte e ainda mais trazer o luto na infância.
CORES E FOTOGRAFIA
Durante as memórias de Cleo, quando se lembra da irmã, a imagem adquire um filtro anos 80, com bastante granulado, parecendo uma filmagem antiga e ficou muito bonito na tela.
Ao mesmo tempo, há enquadramentos médios, câmeras subjetivas e na maior parte do tempo, a partir do ponto de vista de Cleo.
Simultaneamente, percebemos uma forte presença de tons pastéis para evidenciar que as meninas estão na infância e Nerina, por vezes usa tons mais fortes porque ela é a mais velha, está mais próxima da fase adulta. Aliás, conseguimos perceber isso numa cena em específico quando ela atrai olhares adultos, no único momento em que vemos homens no filme.
Existe também presença constante de azul que se mostra fruto da tristeza de todos, além de cumprir o papel de ressaltar as noites e madrugadas.
Vemos também estampas e texturas que insistem em nos lembrar da tragédia ocorrida: flores e rendas que tanto fazem papel de trazer feminilidade como também nos lembra a morte. Assunto que também se mostra constante no pouco entendimento que as meninas têm.
Embora seja um assunto delicado, ele é falado a todo momento e associado com situações da nossa rotina. Como por exemplo, a menstruação que não deixa de ser a perda de um bebê que ocorre mensalmente. Além disso, elas fazem um ritual bem semelhante a um funeral para a calcinha da primeira menstruação.
DIREÇÃO DE ARTE
O filme é contado a partir do ponto de vista de Cleo, uma garota na faixa etária de 10 ou 11 anos. Sua mãe, em estado de choque é incapaz de conversar com a filha, de olhar ou sequer dar um abraço para consolá-la da perda da irmã. Afinal de contas, como se recompor da perda de um filho?
Além dela, acompanhamos suas primas, Nerina de 15 anos, Manuela de 10, Leoncia de 6. Cada uma passando por uma fase. Assim, a câmera captura as mais novas aprendendo a se maquiar, a mais velha com interesses mais maduros, isto se percebe a partir da direção de arte e dos programas que elas assistem.
Cada uma tem seu universo, mesmo que isso se misture no único quarto que todas habitam. A direção de arte também deixa claro o quanto a casa é insegura e inapropriada, elas têm fácil acesso à uma floresta, à rua, o que nos causa uma certa apreensão. Se elas não estão seguras nem em casa, onde estariam? Ao mesmo tempo podemos fazer uma reflexão acerca dos adultos: se suas responsáveis não conseguem proteger as meninas, quem irá? Elas estarão sozinhas para o resto da vida?
O filme responde quando nos mostra que nenhuma delas, de fato, fica sozinha após o trágico acontecimento. Nem mesmo quando elas verbalizam necessitar de um certo espaço.
Todas são deixadas de lado pelos adultos por causa da depressão profunda da mãe de Cleo, Ana. É um luto pesado onde não há espaço para as meninas.
Elas precisam se virar e lidar com esta perda sozinhas, mas assim, elas criam laços e vínculos umas com as outras, formam uma relação de confiança onde nem por um instante há brigas ou desentendimentos.
Dessa forma, elas viram um conjunto forte e unido.
ALÉM DAS CORES
Eu achei todo o filme muito bonito e poético, além de ser particularmente feminino. Todas as mulheres se apoiam, o tempo todo. Cada uma, à sua maneira, é forte, mesmo que estejam em profundo sofrimento. O final é muito bonito, embora seja fraco em comparação com o restante inicial que assistimos.
Não gostei de uma tentativa de crítica social ou de chamar atenção para uma situação de sequestro infantil que ocorre no Paraguai. Há também um flerte em nos mostrar que as meninas confundem isso com a morte. Tendo o filme apenas 1h05min, foi desnecessário e não me agradou, teria valido mais a pena investir no relacionamento (ou falta de) entre Cleo e sua mãe.
Algo que vi de positivo nessa inserção da menina do Paraguai é o fato de ela trazer dores que são comuns a todas, independente de onde vivem. Ela expõe que a rua é um lugar de insegurança. Nesse sentido, eu me recordei de Sofia Coppola e seu “As Virgens Suicidas” onde há um tema semelhante e as meninas são mantidas dentro de casa como um sinal de segurança. No longa de Sofia, as meninas querem sair e enxergam na rua um lugar de liberdade. Ao contrário do que acontece em “Mamãe, mamãe, mamãe”, que tudo além dos limites da casa é um motivo de tensão.
FILMES RELACIONADOS
Se você ficou interessado no luto infanto-juvenil, não pode deixar de assistir, como eu citei mais acima, “As Virgens Suicidas” de Sofia Coppola. É uma linda história triste sobre 5 garotas enclausuradas dentro de casa.
Porém, se você quer ver mais histórias de irmãs fechadas em suas residências, mas sob uma perspectiva diferente, não pode deixar de ver o turco “Cinco Graças”.
Mas se a sua é uma história mais leve, não perca “Adoráveis Mulheres” de Greta Gerwig e depois confere minha opinião aqui!
Pra finalizar, eu recomendo muito que você assista esse filme na Mostra, você não irá se arrepender. Ele é um dos melhores que assisti no festival. Link para compra está aqui.
Muito obrigada por sua leitura, espero que tenham gostado!
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