Às amizades ansiosas
Ninguém solta a mão de ninguém, mas quem também é ansiosa acaricia.
Ter companhias não ansiosas é fundamental para a vida da pessoa ansiosa.
Doido é pensar que, se não sou uma aberração, em 2024 devo ter mais amizades que lidam com alguma questão que esbarra na ansiedade do que aquelas que não lidam.
Volto para a química cerebral de quem tem facilidade de se autorregular sob a mínima possibilidade de algo não sair como esperado.
Tô falando daquelas amizades que te aterraram e te situam no tamanho real das preocupações e nas várias possibilidades que não se resumem apenas no ‘se tudo der errado’. Quem te dá um chacoalhão, tenta te livrar da culpa e se esforça para te convencer a viver o agora, virar a página ou repetir o mantra “um dia de cada vez”.
Pronto. Quatro parágrafos bastam para as abençoadas almas que não sofrem de ansiedade e aos salvadores terapeutas acessíveis ao nosso bolso.
Hoje eu quero dedicar meu texto todinho às minhas camaradagens ansiosas. Bem sei do perigo contaminante que é a convivência com alguém que sofre do mesmo mal.
Tem hora que ataca mais do que rinite em tempo seco. Quando a própria ansiedade alheia vem a ser um gatilho para a outra pessoa. Quando menos se espera, bomba-relógio.
As amizades ansiosas, por sua vez, têm um grau de intimidade que lhes permite compartilhar de suas ferramentas pessoais e entender a inundação mental.
Tento mesmo me lembrar daquilo que li em algum lugar certa vez: o outro não tem responsabilidade sobre como aquilo vai me afetar.
Não mesmo, mas a pessoa ansiosa, fontes da minha cabeça: quando em estado de regulação e consciência mínima sobre sua questão, costuma entender, acolher e abraçar suas dores.
Não que o conselho de virar a página da pessoa que não lida com cenários absurdos semanalmente não seja válido — é. Não vou dizer frio, mas é liso, quando não é profissional.
O ser humano que sabe bem o que você está passando, por sua vez, tende a receber essa avalanche com ferramentas mais adequadas — fruto da experiência — , minimizando o impacto.
Ninguém solta a mão de ninguém, mas amizades ansiosas, além de não soltar a mão, também fazem carinho e emprestam o seu outro par de luva.