Homenagem ao pão

Tão pom

Julia Latorre
Blog da Julia
3 min readSep 1, 2023

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Ele, somente ele. Como mulher nascida nos 90, crescida na cultura da dieta, que naturalizava e cometia o pecado de trocar um pão de queijo no intervalo escolar por uma barra de cereal mentirosa e industrializada, eu me acredito mais próxima da inalcançável felicidade infinita quando reabri as porteiras para que o pão voltasse com força e amor na minha vida.

É claro que isso não aconteceu de um dia para o outro. Nessa fatia generosa de tempo, o feminismo me ensinou a me amar do jeito que sou.

Aprendi que além de nutrir o corpo, era preciso nutrir a alma. Nesse quesito, o pão cumpre os dois critérios. Dos cafés da manhã longos, cuja fatia era fresca e pode ser coberta com abacate, sal, limão e ovo; manteiga, nem dura nem derretida; tomate ralado, alho e azeite; queijo semi-curado; presunto cru; requeijão cremoso; requeijão — escorre uma lágrima — de cortar. Pão caseirinho com manteiga.

Eu preciso me perdoar por ter ignorado o privilégio do pão de queijo acessível, mas também por não ter dado ouvidos a colegas mais inseridos na cultura mediterrânea que me aconselharam a investir algumas moedas a mais em troca daquilo que era considerado um pão melhor.

Eu achava o maior barato ver a coleguitude avaliando o mais simples dos sanduíches pela qualidade do pão. Bar bom, tem pão bom e não se discute.

Massa madre. Pode ser que essa seja uma das minhas palavras preferidas do vocabulário espanhol. Entrega. Pelo elemento que representa: o melhor dos pães, não hesite — mas também pela escolha genial da composição de dois substantivos simples tão lindos e potentes.

Massa: dentre os vários, nenhum dos seus significados é feio. Pensando bem, eu deveria mesmo usar a expressão ‘que massa’ ao invés de ‘que legal’. ‘Que massa’ é muito mais legal e representa de verdade tudo aquilo que é muito maravilhoso.

Madre: ‘mãe’ em espanhol. É claro que a melhor massa de pão tem a mãe no meio.

Aprendi que pão se congela e se descongela com paciência.

Eu não sei como homenagear o pão de maneira justa. Sei que lamento profundamente pela intolerância ao glútem.

Apelo: coma pão, nutra-se de pão, mas que seja do bom pão.

Não faz tempo que vi por aí o grupo de Facebook dos padeiros autocríticos de suas obras primas. Estão certíssimos. Pão é arte, oitava maravilha, para se apreciar e executar com maestria.

Se até Jesus fez questão de deixar claro que pão se compartilha e acompanha vinho. Quem sou eu para evitá-lo?

A mesma que precisou de uma página inteira para se livrar da culpa de ter passado anos desvalorizando-o.

Pão nosso de cada dia. Não deveria ser privilégio, é direito fundamental, ancestralidade, nutrição e amor.

Pão. Um dom. Tão pom.

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Julia Latorre
Blog da Julia

Comunicadora especializada em gênero.♀ Escrevo aqui sobre o que dá vontade. linkedin.com/in/julialatorre