No lugar de café, a fé
E as palavras que serão investigadas ao lado da nossa poeira cósmica
Aqui vamos nós. Nos últimos dois anos aprendemos a gozar a vida com as migalhinhas. Desenvolvemos a habilidade de encontrar beleza e prazer na miudeza e cotidianidade do lar. A vida é bela? Mais de cem dias de luta, nenhum dia de glória.
É preciso voltar ao seu corpo, disseram. Aquele balão inflável preso na cordinha invisível que passeia por aí atada à sua cabeça precisa tocar o solo.
Listas curtas sobre tudo aquilo que é tão bom a ponto de existirem motivos para acreditar no futuro da humanidade adoecida. Os melhores cheiros, as melhores coisas do mundo. Dediquei uma página inteira ao cheiro do queijo coalho assado na lata. A criatividade não passava daí, se recusava a registrar o horror daquilo nomeado informação.
Quarenta lá, duzentos aqui, mil por aí, cinco mil antes de ontem e, nessa altura, cem mil acolá, um milhão. Crescimento exponencial.
Não tinha como fingir que estava tudo bem. Houve quem tentasse. Amassaram o pano de fundo do cenário e encaixaram sobre lentes bizarras, desreguladas e embaçadas sob as almas que não foram embalsamadas. Valas coletivas. O palco mais claro era o pior.
No lugar de café, a fé restaurada na força do desespero. Não teve como. Todas as deusas foram convocadas. Cada canção que anunciava o apocalipse foi degustada. O dia em que a terra parou.
Reza, macumba, shanti, shanti.
Corra e olha o sol. Absorva todo e qualquer raio de serotonina que tocar a sua pele. Segura bem forte, o golpe vai ser duro.
A cada dia se preparando para o pior. O pior está chegando. O pior está no ar. O pior vive ao lado. O pior será sempre pior, desmedido em função.
O horror anulou as prioridades, cancelou todos os planos, pediu razão.
O caderninho empoeirado encarava dia após dia. Seria forte o suficiente para lidar com o peso das palavras que estavam por estampá-lo? Não chegou a conhecê-las.
As deusas, por sua vez, não foram poupadas. Pode ser que tenham feito papel de editora e anotado aquilo que valha a pena ser rascunhado daqui pra frente. As palavras, as mesmas que serão investigadas ao lado da nossa poeira cósmica.