Um cantinho para estender minha canga
Quando a escrita desaguou em mim, soube que a qualquer momento estaria a ponto de romper em mil pedacinhos o diamante lapidado
A partir do minuto em que entendi que o que escrevia, de fato, era lido e levado a sério por pessoas, jogar a escrita para o mundo deixou de ser um ato destemido e passou a ser um ato de coragem.
Escrever psicografando pelo coração faz me sentir tão nua quanto a primeira vez que resolvi tomar sol sem a parte de cima do biquíni em uma praia da Espanha.
Foi assim. Migramos do Snapchat, restrito para o meu círculo de pessoas próximas, para o Instagram Stories, cuja conta eu deixava aberta na época, e percebi que havia nomes desconhecidos que assistiam meus vídeos de pijama dentro do meu quarto, me senti autora de uma auto-violência imensa.
Não pegue carona com desconhecidos, quem dirá convidá-los a subir. Percebi que eu mesma estava abrindo a porta da minha privacidade virtual para desconhecidos e levando os mesmos para a minha cama, que horror.
Petrifiquei-me virtualmente e escolhi o caminho do diamante lapidado. Perfeito, melhor do que feito. Ou seja, nunca.
E assim deixei de levar minha criatividade à praia para se nutrir da vitamina D e A: de ego e aprovação. Permiti que o processo criativo definhasse e perdesse todo o seu brilho. Quando estava a ponto de parar de respirar, levava-o para um passeio, sempre coberto, protegido, sentado ali no cantinho, para que ninguém se assuste.
Inspirei-me em escritoras que usam pseudônimos e idolatrei aquelas que tiveram a audácia de não usá-lo.
Aquele que não fala com os lábios, fala com as pontas dos dedos: nós nos traímos por todos os poros.
Aos 18, li Freud e me obcequei com tal citação.
Quando a escrita desaguou em mim, soube que a qualquer momento ela estaria a ponto de romper em mil pedacinhos o diamante lapidado. Seus cacos poderiam machucar e jamais voltariam a se recompor..
Volto à praia da Espanha. Entendo que não é sobre desnudar o peito e gritá-lo ao mundo. Busco apenas um cantinho virtual para estender a minha canga, com exposição ao sol, mas protetor solar, nem tão perto do mar a ponto de me afogar, nem tão longe, a ponto de esquecê-lo.
Um cantinho para estender a canga, um caderninho, minha verdade e a parte de cima do biquíni.
