em cem metros, vire à esquerda

e prepare-se para seguir em frente

passando em frente ao restaurante apelidado carinhosamente por nós de “sabor latindo”, fui abraçada pela nostalgia da época em que almoçávamos juntas. éramos três, as aventureiras da vigilância sanitária, como vocês querida leitora e querido leitor já devem ter imaginado pela qualidade duvidosa do apelido — e também da comida.

fazia render o vê-érre, 10 reais por dia, com direito a buffet livre de sobremesa que sempre sobrava aquele pudim-sorvete de morango, que tinha exatamente o mesmo gosto do pudim de leite, que por sua vez era disputadíssimo. e tinha gosto de nada. vai entender.
coisa doida é essa memória sensorial, né?, mas com certeza a saudade não se deu pelo tradicional cheiro forte de comida gordurosa que invadia a rua. a cada passo que eu dava, remontava o trajeto de uma antiga rotina, ali na outra esquina, no coração do centro histórico.

subindo a rua uruguai, vem o aroma convidativo e inesquecível daquele café do telhado ecológico, onde deixei muitos salários, e também troquei alguns sorrisos desajeitados e olhares tímidos com a barista em dias chuvosos — o que eu gostaria muito de categorizar como flerte fofinho mas não posso afirmar se foi recíproco ou se ela apenas retribuía por uma mistura de educação e pena, tendo em vista que eu andava com um guarda-chuva capenga que me molhava inteira, e sempre pedia um cappuccino pra espantar o frio e disfarçar a cara da derrota típica de universitária em fase de tcc.

mas agora pouco importa, pois sentei pra tomar esse café depois desses anos todos, até procurei por ela lá dentro, e nada. nunca perguntei seu nome. como pode sentir saudade de alguém que nem de nome a gente conhece? será que ela lembraria de mim? e será que partilhamos dessa saudade-anônima? dessa vez não estava chovendo. ao menos o tempo me fez bem (continuo derrotada, porém mais bonita). foi então que resolvi mudar, só pra ver se ela aparecia: no lugar do cappuccino eu pedi um pingado.