Sinais do apocalipse

Well
Com sono e sem vergonha
2 min readSep 20, 2017
Bolsonaro em um de seus muitos acessos de raiva. Ele não é adventista, mas engrossa o coro dos absurdos que eu escuto hoje e sempre escutei. Foto: Tânia Rego/Agência Brasil

Cresci numa família evangélica, adventista do sétimo dia. Nessa religião, a intolerância é um dos muitos sinais do apocalipse. Lembro que a cada pronunciamento de um presidente, a cada movimentação política, a cada novo comportamento da sociedade, pastores, diáconos e sacerdotes enxergavam claros sinais do fim dos tempos. A volta de cristo estava próxima, eles diziam.

Sempre ouvi rumores de que, por algum acordo entre autoridades políticas e o papa, o domingo seria proclamado como o dia santo obrigatório. Então, os membros da igreja verdadeira (eles, os adventistas, que guardam os sábados como dias santos) seriam perseguidos, julgados e torturados até a morte se não aceitassem o que o resto da sociedade, contaminada pelo pecado, tentava lhes impor.

Foi ali, numa comunidade evangélica, que aprendi que na igreja não havia espaço para “certas pessoas” (pessoas que, eu descobri depois, eram como eu e que amavam pessoas como eu amo). Li na minha bíblia jovem que masturbação era pecado, relações entre dois homens também. Ouvi sermões exaltados contra os perigos do mundo, palavras de ordem contra a imundície da homossexualidade, sinal de uma sociedade afundada em pecado.

Essa raiva, essa vigilância, esse senso de justiça e perseguição fizeram com que eu me afastasse da igreja. Comecei a pensar que todo o sentimento ruim que eu presenciava todos os sábados de manhã não podia estar certo, que as teorias que eles pregavam eram devaneios, que não haveria fim dos tempos.

Mudei de ideia, agora já há quase dez anos sem pisar dentro de uma igreja. Vendo notícias de censura a exposições artísticas, proibição a peças de teatro, sendo surpreendido com uma autorização judicial à perseguição e à tortura psicológica de pessoas LGBT, eu começo a acreditar, de novo, que talvez nos aproximemos dos fins dos tempos. A intolerância seja o mais claro sinal disso. E aqueles que tanto temem ser perseguidos talvez sejam os perseguidores.

Para tentar ser ao menos um pouco justo, há uma comunidade gay bastante forte e resistente dentro da Igreja Adventista do Sétimo Dia nos EUA. Mais infos em: https://www.sdakinship.org/pt/

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