Sobre viagens e fronteiras

Well
Com sono e sem vergonha
2 min readJan 28, 2019

Tinha sido um dia quente. Eu, teimoso, me neguei a passar protetor solar. Mesmo com o cansaço da praia, encontramos energia para subir até a piscina na cobertura do prédio onde nos hospedamos em Boa Viagem. Com sorte, a água fria ia aliviar o ardido na pele.

Não sei se foram vinte minutos ou duas horas. Eu boiava encarando as estrelas e era como se tivesse viajado dez ou vinte anos para o passado. O tipo de viagem que inevitavelmente leva a falar sobre a mãe, o pai, sobre traumas que você nem lembra que existem. Ele me falou sobre como foi gostar de um homem pela primeira vez. Eu contei sobre como tentava, sempre ser sucesso, me sentir finalmente adulto. Na intimidade de nós dois, da piscina e de um céu desconhecido no qual eu tentava inutilmente identificar alguma constelação, me peguei falando em voz alta frases que eu sempre tentei não dizer e não ouvir.

Aconteceu outras vezes. Em um Airbnb de Buenos Aires, uma amiga compartilhou o pavor após um amigo tentar suicídio. Na praia, conheci a história de saída do armário em uma família religiosa. Em um ponto de ônibus, entendi como foi crescer com pais separados. Em um boteco, ouvi sobre uma experiência transformadora com a Ayahuasca.

É quase sem perceber que momentos assim acontecem. Deve ser porque é durante viagens que vêm a tona a tal da bagagem: quais histórias e quais sentimentos carregamos com a gente e de quais sentimos saudade. De repente, aquele único ponto de contato com o mundo que ficou para trás cria uma necessidade de compartilhar segredos sobre a vida que compartilhamos longe dali. E as histórias que ouvimos e contamos transformam tudo, mesmo depois da volta: não são os mesmos o lá e o cá, o eu e o você.

Às vezes fico julgando a maneira como me sinto com as coisas. Me parece meio infantil a maneira como eu me encanto com situações que devem ser triviais para a maioria das pessoas. Sei lá, eu me apaixono meio fácil.

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