43ª Mostra de SP| Nimic

Adam William
Adam William
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3 min readOct 10, 2019

É possível imaginar que a duração reduzida de uma obra diminuiria também um pouco da insanidade por parte do diretor Yorgos Lanthimos, mas o fato é que só potencializou seu estilo. O curta Nimic surgiu como resultado de uma peça publicitária da agência Droga5 para a marca de automóveis Mini, a fim de representar o pensamento criativo e fora da caixa da empresa. Com Lanthimos, cuja mente já deu origem à obras como O Sacrifício do Cervo Sagrado e Dente Canino, já era de se esperar que tais características fossem elevadas à enésima potência.

Assim, Nimic surge quase como uma brincadeira. Uma fantasia sobre a perda de nossa identidade. Afinal, o que nos faz sermos nós? Se o dia-a-dia que vivemos nos diz quem somos, é possível que outra pessoa copie ou até tire isso de nós? Quando um violoncelista (Matt Dillon) fala com uma mulher no metrô (Daphné Patakia) que passa a imitar sua rotina — o convívio com os filhos e esposa, os ensaios com a orquestra, etc –, a própria noção de identidade torna-se algo duvidoso. Mesmo as pessoas próximas a ele não conseguem discernir a diferença, pois aquilo que o faz ser quem é já não diz muita coisa.

O diretor parece pouco se importar em responder as questões que ficam com o espectador. Pelo contrário, o que Lanthimos constrói funciona melhor pela subliminaridade empregada — caso fosse um longa, talvez ele se perdesse no surrealismo, tal como acontece em Dente Canino — do que pela conclusão, que poderia trazer o curta para o lugar comum. Ao final, permanecem as dúvidas, mas também o incômodo proposto pela provocação, uma vez que podemos encontrar uma familiaridade em protagonistas tão peculiares, principalmente pela câmera de Lanthimos que, em mais de uma cena, nos coloca tão próximos dos personagens.

Na parte técnica, Nimic condensa em sua curta duração o que há de mais característico na filmografia do diretor. Há o surrealismo de uma situação incomum que ganha contornos quase plausíveis, há a trilha sonora gritante com músicas tipicamente clássicas e a própria trama repetitiva funciona melhor conforme o diretor emprega o uso de travellings laterais pelo cenário, nos passando a impressão de que nós, enquanto espectadores, também estamos repetindo os passos do protagonista. É possível dizer que até mesmo a atmosfera de suspense empregada aqui já é típica do diretor, já que se faz presente em seus filmes mais recentes, seja em maior ou menor grau.

Com isso, Nimic é a mais nova adição ao cinema excêntrico que é a especialidade de Lanthimos. Ao trazer consigo as peculiaridades características de sua filmografia, para o mal ou para o bem, torna-se um reflexo daquilo que o espectador pode esperar do diretor em qualquer um de seus filmes — e também que será amado pelos fãs e odiado por aqueles que não gostam da obra prévia do diretor. Já para o espectador que nunca embarcou na viagem que é a mente de Yorgos, vale a pena por ser um acurado e interessante cartão de visita.

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Adam William
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