Aquaman, Shazam e Coringa: Como a DC redescobriu seu próprio cinema

Adam William
Adam William
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6 min readAug 29, 2019

A internet veio abaixo com o segundo trailer de Coringa (Joker) no último dia 28. A obra de Todd Phillips (da trilogia Se Beber, Não Case e do esquecido Cães de Guerra) que adapta o palhaço-do-crime para as telonas sem necessariamente se ater ao personagem dos quadrinhos é “somente” o novo filme da DC dos cinemas, mas representa algo mais. Embora ainda seja impossível afirmar a qualidade do filme — os trailers enganam, não é de hoje –, a sorte está a favor de Phillips e sua produção, que conta com o ótimo Joaquin Phoenix no papel título e Emma Tillinger Koskoff na produção. Não se sinta mal caso você não lembre quem é esta última, o que você precisa saber é que ela é parceira recorrente de Martin Scorsese nos últimos anos — por alguns meses, houveram rumores que o próprio Scorsese estaria envolvido na produção de Coringa — produzindo obras como O Lobo de Wall Street e o vindouro O Irlandês. Mas o que difere este filme das demais produções do estúdio de verdade é o que ele representa para o futuro da DC. E não estamos falando de universo compartilhado.

A DC chegou aos cinemas com uma obra de grande orçamento pela primeira vez em 1978 com Superman — O Filme de Richard Donner. Antes disso havia somente seriados cinematográficos da década de 40 e 50 e produções de baixo orçamento ligadas à televisão. O filme de Donner voou para além de quaisquer expectativas ao faturar mais de 300 milhões de dólares e garantiu três continuações e um spin-off, mas não conseguiria repetir o sucesso do original. Em 1989 a DC emplacou mais um de seus heróis: o homem-morcego chegava aos cinemas com Batman de Tim Burton, que deixou pra trás a interpretação caricata dos anos 60 e tornou o personagem uma marca muito maior e mais significativa no mercado. Burton voltaria para a direção em Batman: O Retorno, mas após isso Joel Schumacher tratou de jogar o personagem no limbo com seus horrorosos Batman Eternamente e Batman & Robin.

Foi somente em 2005 que o homem-morcego faria seu retorno às telonas, desta vez com uma versão mais realista pelas mãos de Christopher Nolan em Batman Begins. A boa recepção do filme abriu caminho para o sucesso absoluto do estúdio: O Cavaleiro das Trevas não apenas conquistou o bilhão — a primeira bilheteria bilionária para a DC e o quarto filme da história a cruzar esta marca — como também o Oscar-póstumo para Heath Ledger como o Coringa, cuja interpretação tornou-se a versão definitiva do personagem para muitos. Em 2012, a trilogia chegava ao fim com O Cavaleiro das Trevas Ressurge e o diretor se despediu do personagem, deixando a DC ansiosa para replicar o sucesso com outros personagens. Não deu certo antes mesmo de Nolan encerrar sua história: Em 2006, Superman: O Retorno amargou nas bilheterias quando Bryan Singer tentou emplacar o herói nos moldes setentistas de Richard Donner. Não funcionou e a recepção acabou mista. Já em 2011, foi o Lanterna Verde que ganhou uma versão live-action tão esquecível que chegou a ser mais pisoteada que o Superman de Singer.

A falta de personalidade dos dois mostrou que a DC não havia entendido o que fazia da trilogia Batman tão especial. A força dos filmes de Nolan vem de criadores que entendem o personagem, mas souberam aplicar sua visão própria e criar uma obra que ecoasse os quadrinhos do herói, mas sem necessidade de adaptá-los religiosamente — basta uma leitura de Batman: Ano Um, O Longo Dia das Bruxas ou Batman: O Cavaleiro das Trevas de Frank Miller para o espectador notar a adaptação sutil que Nolan e o roteirista David Goyer fizeram. Além do mais, a regra do jogo era outra: Nolan e Goyer não precisaram seguir cronogramas apressados e puderam contar a história que queriam com pouca intervenção criativa da Warner. Isso logo antes do nascimento do “universo compartilhado” da rival, que ditaria uma nova forma de fazer filmes.

Assim deu-se início à corrida da DC para montar seu próprio universo cinematográfico em 2013 com Homem de Aço. Nas mãos de Zack Snyder (Watchmen, 300), o Superman receberia uma nova interpretação que em nada capturava sua essência dos quadrinhos, seguindo o estilo “sombrio e realista” que fez sentido com o Batman. Com um controle criativo rígido e uma “linha de montagem” definida, o estúdio ignorou a recepção mediana de seu novo Superman e partiu para o o bagunçado Batman v Superman: A Origem da Justiça, que precisava introduzir um novo Batman, a Mulher-Maravilha — além de pontas do Flash, Aquaman e Ciborgue –, o vilão Lex Luthor e uma ameaça maior que juntaria os heróis em um filme de equipe no ano seguinte. O que poderia dar errado?

Com medo de ter um fracasso em mãos, Esquadrão Suicida foi refilmado e modificado até resultar… naquilo. Já Patty Jenkins teve mais sorte que seus companheiros e pode colocar sua visão em Mulher-Maravilha. O resultado foi forte, divertido e colorido, uma obra com alma e não apenas mais um produto, e o público percebeu isso. Já em 2017, o insosso Liga da Justiça deu fim à “Era Snyder”, novamente entregando um resultado irregular que fora remendado até o último instante na esperança de que toda a pressa funcionasse. Mas não foi o caso. Com os executivos dando um passo pra trás pra tentar entender o que houve após a saída de Nolan, James Wan teve espaço para realizar seu Aquaman em paz — o sucesso dos dois Invocação do Mal já tinha dado crédito a ele — e o resultado não poderia ser outro: personalidade, ação estilizada e novamente uma história com sobrevida para além de uma franquia. E antes de Coringa, ainda houve Shazam! para celebrar a galhofa dos quadrinhos e entregar o filme mais divertido da DC em anos.

O que faz de Coringa tão especial para esse ponto é que ele representa TUDO que o universo compartilhado não é. Mulher-Maravilha, Aquaman e Shazam! funcionaram por não se dobrarem a uma regra e sim às visões criativas de seus diretores. Jenkins, Wan e Sandberg entenderam a essência daqueles personagens e injetaram personalidade, o mesmo que Richard Donner e Tim Burton fizeram lá atrás e o próprio Nolan fez em sua trilogia. Ainda que completamente diferentes entre si, os filmes funcionam! E o fato de Todd Phillips deixar claro que seu Coringa não irá seguir os quadrinhos e será uma história nova, pode fazer toda a diferença. Sua ambientação e estilo trazem ares de filmes de máfia, soando como um estudo aprofundado do personagem, mas em nada lembra os filmes de heróis dos últimos 10 anos e isso não poderia ser melhor.

Se este Coringa não é o mesmo dos outros filmes e nem o dos quadrinhos, qual o problema? Já foi dito que Aves de Rapina não será uma continuação de Esquadrão Suicida e está tudo bem. Mulher-Maravilha 1984 contradiz o que foi dito sobre a personagem em Batman v Superman. E está tudo bem. E talvez o grande trunfo da DC seja esse: arcos fechados e independentes, pois assim como nos quadrinhos, as melhores aventuras são aquelas finitas, que não possuem necessidade de se prolongar para sempre com eternas continuações, spin-offs e afins. No fim das contas, pouco importa o nome do crossover, iremos nos lembrar das boas histórias.

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Adam William
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