Crítica | O Homem Que Copiava

Adam William
Adam William
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3 min readMay 10, 2020

A primeira cena de O Homem Que Copiava já é bastante intrigante: no caixa de supermercado, André (Lázaro Ramos) acaba se dando conta de que não poderá pagar sua compra devido ao preço da carne ser mais alto do que pensou. O diálogo entre ele e os funcionários do mercado é curto, mas desconfortável. Logo na sequência, vemos André ateando fogo em um punhado de notas de cinquenta. Tudo isso ocorre em poucos minutos que já criam uma curiosidade instantânea pela obra de Jorge Furtado.

A narração em voice-over do protagonista faz o restante e traz o espectador para perto dele enquanto uma parceria é firmada, com o personagem explicando seu dia-a-dia como “operador de fotocópia” e apresentando as figuras a seu redor. A empatia gerada pelos diálogos é eficiente — e necessária — para que o público não perca seu carisma de vista conforme a trama avança, mas esses diálogos também funcionam para inserir informações-chave que serão importantes para sequências posteriores.

A direção de Furtado chama atenção pela combinação primorosa de várias técnicas para compor sua história. Desde uma animação de traços “cartunescos” até a excelente montagem — destaque para a cena que compõe o quarto de Silvia (Leandra Leal) pouco a pouco — , a obra se sobressai pela inventividade visual. O humor também funciona por não cair no campo apelativo, com piadas fáceis, mas surgir genuinamente dentro dos diálogos espertos disparados por André e Cardoso (Pedro Cardoso, excelente). Os momentos da dupla são os melhores do filme, não apenas pelo timing cômico, mas pelo nível do roteiro, também assinado por Furtado.

O roteiro, por sinal, é uma joia à parte. Seu terceiro ato é dotado de uma urgência que nada lembra o filme que começamos a assistir, mas a forma fluída com que a história é conduzida faz com que tudo soe genuinamente espontâneo, uma direção natural da história. E apesar de impor um conflito direto apenas na segunda metade da obra, consegue não apenas manter o ritmo, mas também dar uma guinada no trecho final, adicionando novas informações sem perder-se nas reviravoltas.

No elenco principal, além de Lázaro Ramos, Pedro Cardoso e Leandra Leal, temos uma carismática (!) Luana Piovani. Todos muito bem em cena, tal quarteto não apenas demonstra uma ótima química como parecem bastante à vontade. Entretanto, é impossível não exaltar a exímia composição de personagem realizada pelo protagonista Lázaro Ramos. Através da linguagem corporal e voz, o ator cria uma atuação complexa para seu personagem. Hesitante na maioria de suas cenas, Ramos encolhe os ombros e traz uma voz baixa e um jeito de falar tímido, que contrastam diretamente com a postura do personagem ao ouvirmos seus pensamentos — aqui, muito mais direto e seguro de si. Tais aspectos de sua atuação ganham um contorno ainda mais brilhante conforme a trama se aproxima do desfecho e notamos que a postura interna de André passa a se tornar sua postura externa, mas nunca deixando de lado seu carisma magnético.

Em O Homem Que Copiava, Jorge Furtado mostra que não precisa de muito para criar uma obra cativante e autêntica, mas que um bom roteiro e direção segura sempre serão o suficiente para realizar obras que fujam do lugar comum — a sequência do “tutorial” da fotocópia, por exemplo, é uma pequena obra-prima por si só, tão simples, mas tão divertida de se assistir —, principalmente quando temos um protagonista tão afiado e bem atuado como André. O resultado é simplesmente um dos melhores exemplares do nosso cinema e essencial para qualquer um que ainda pense que o cinema brasileiro sempre entrega um “mais do mesmo”.

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Adam William
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