Intenso e perturbador, Midsommar promete dividir fãs do gênero

Adam William
Adam William
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4 min readOct 8, 2019

Analisar uma obra de terror/horror é sempre um desafio interessante, ainda mais quando se trata de um filme cuja proposta é tão inesperada quanto “um horror à luz do dia”, como é o caso de Midsommar — O Mal Não Espera a Noite (Midsommar), a nova obra de Ari Aster, diretor de Hereditário. Por sua vez, compará-lo a este é tão incomum quanto injusto, já que ambos são completamente opostos entre si no estilo e técnica, o que surpreenderá — positivamente ou não — caso a expectativa esteja alinhada pelo trabalho anterior de Aster. Há algumas semelhanças, de fato, mas o mal apresentado aqui — e a forma como é trabalhado — é tão mais simples e crível quanto assustador, tornando toda a experiência mais intensa e desconfortável para o espectador.

A psicologia do luto e a transição para superá-lo é o que guia Aster nesta viagem de alucinógenos, conflitos pessoais e peculiaridades. O vilarejo sueco para o qual Dani (Florence Pugh), seu namorado Christian (Jack Reynor) e os amigos dele viajam é dotado de uma atmosfera própria, acolhedor num primeiro momento, mas que irá mexer de forma diferente com cada um deles. Entretanto, é interessante notar que Aster não tem intenção de esconder sua trama ou criar reviravoltas mirabolantes, a narrativa nos é exposta em diversos momentos da trama, através de símbolos e tapeçarias. Por sua vez, o fato de processarmos isso de forma subliminar torna a jornada mais aterrorizante. É como estar diante de uma versão adulta e violenta de Alice no País das Maravilhas, no qual a garota vai fundo demais na toca do coelho para descobrir que não há nada de maravilhoso no final.

Um dos aspectos que chamam atenção é o esforço de Aster para envolver o espectador como como parte do grupo de amigos, não apenas nos fazendo presenciar momentos muito pessoais para os personagens — o diálogo sobre o relacionamento de Christian, o momento de luto de Dani, entre outros –, mas também nos colocando em pé de igualdade com eles, pois uma vez no vilarejo, somos ambos — protagonistas e espectadores — forasteiros naquele lugar. E conforme a sensação de que estamos na mesma situação que o grupo se intensifica, mais claustrofóbicos nos sentimos e o desconforto ganha espaço por nos vermos presos junto a personagens que, mais cedo ou mais tarde, se tornarão vítimas das próprias ambições que os levaram até lá.

Um dos aspectos que faz de Midsommar uma obra tão intrigante é que o povo sueco nunca é retratado, de fato, como antagonistas malignos. Embora o subtítulo brasileiro indique um viés quase sobrenatural, o filme vai no sentido oposto, apresentando a cultura deste povo com um certo fascínio por parte de Aster, de tal forma que, conforme entendemos a lógica nas crenças e costumes deles — por exemplo, invés de temer a morte, aceitá-la como parte natural da vida — mesmo que estas causem um choque cultural imediato. Assim, a construção do medo se dá muito mais pelo estranhamento desses costumes do que por personagens maniqueístas, já que saber que eles estão agindo daquela forma naturalmente é tão ou mais assustador que a intenção de fazer o mal.

Falta, entretanto, uma certa maturidade de Aster para que sua fantasia se sustente até os minutos finais da trama. Enquanto o diretor mostra um controle preciso da câmera em momentos pontuais — a chegada ao vilarejo que literalmente inverte nosso ponto de vista, por exemplo –, falta a ele um autocontrole maior no que tange ao roteiro — também assinado por ele –, pois logo na sequência final, o turbilhão de esquisitices se acumulam, tornando o momento frenético demais. Essa virada brusca na atmosfera da obra é algo que já havia ocorrido de forma mais acentuada em Hereditário e aqui incomoda menos, mas ainda chama atenção, principalmente considerando que a duração do filme permitiria uma curva dramática mais comedida.

Midsommar — O Mal Não Espera a Noite mostra-se como uma fascinante evolução de Ari Aster, mas ainda sofre com uma mão pesada no texto, atrapalhando que a imersão do espectador persista até o final. Ainda assim, funciona muito bem e merece atenção do público que, gostando ou odiando, irá se deparar com uma obra distinta dos outros filmes do gênero. Nas mãos de Aster, o pesar do luto — algo que, cedo ou tarde, todos conhecemos — se torna uma jornada sensorial. A violência, a dor e a crueldade ganham espaço de modo natural, até bem-vindo em alguns momentos. Tudo isso, à luz do dia.

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Adam William
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