Por quê você deveria desconfiar do seu médico

«Que seu remédio seja seu alimento, e que seu alimento seja seu remédio.»

A frase acima é atribuída a Hipócrates (460–370 a.C.), considerado por muitos como o “pai da medicina”. Se você já foi a alguma formatura de graduação em medicina, deve ter ouvido o “juramento de Hipócrates” ou alguma versão do mesmo, onde o novo médico promete, em síntese, ter ética no desempenho de sua profissão, e zelar, acima de qualquer outra coisa, pela saúde de seu paciente.

A ciência e tecnologia médicas avançaram a passos largos, principalmente nos últimos anos. Transplantes, intervenções cada vez menos invasivas (quando possível), antirretrovirais para minimizar os malefícios do HIV e, como resultado de tudo isso, nossa expectativa de vida cresce a cada dia mais.

Se é verdade que a ciência médica tem avançado tanto, também é verdade que a frase de Hipócrates que abriu este artigo tem sido solenemente ignorada por alguns médicos e cursos de medicina, e não é só no Brasil. Talvez você não saiba, mas disciplinas relacionadas à nutrição humana simplesmente não fazem parte da grade curricular ordinária de Medicina proposta pelo MEC. O futuro médico só irá estudar mais a fundo o processo biológico de absorção de nutrientes no corpo humano por meio da alimentação se optar por uma especialização em nutrologia. Traduzindo: na faculdade de medicina não se estuda nutrição. O médico sai da faculdade preparado para fazer cirurgias e te tratar com prescrição de algum fármaco de acordo com seus sintomas. Mas não são preparados para identificar a relação entre sua comida e sua saúde. Será que Hipócrates, o “pai da medicina”, estaria orgulhoso disso?

Hipócrates, o pai da medicina, espantado com o fato de que, em pleno século XXI, médicos não aprendem sobre nutrição na faculdade.

«Você é aquilo que você come.»

Quem nunca ouviu a frase acima? É uma metáfora, graças a Deus, mas por ser metáfora não deixa de refletir uma verdade que está ali, escondidinha, e que está ligada àquela outra frase, lá em cima, de Hipócrates: Não! Você não é um Big Mac ambulante. Mas você é o resultado daquilo que você come regularmente, cotidianamente, como base de sua alimentação. A dieta moderna — “dieta” aqui não é “regime pra emagrecer” e sim, os alimentos ou tipos de alimentos que compõem a sua alimentação cotidiana — baseada na pirâmide alimentar, amparada por órgãos oficiais e amplamente ensinada até para nossas crianças, nas escolas, não tem favorecido muito a saúde da população. Em vez disso, a alimentação baseada na pirâmide alimentar tem levado a média da população a um crescimento espantoso no número de obesos, hipertensos, diabéticos e cardíacos.

Faço uma pausa aqui para destacar que são dois problemas distintos:

  1. A ignorância médica em relação ao fator “nutrição” como uma das mais importantes variáveis na equação do estado de saúde geral dos pacientes;
  2. A má ciência por trás do que é ensinado nos cursos de nutrição, e propagados por nutricionistas mundo afora.

Sobre o problema n. 2, o jornalista científico Gary Taubes foi quem jogou merda no ventilador em seus livros Good Calories, Bad Calories, ainda sem tradução para português; e “Por que Engordamos e o que Fazer para Evitar”. A história da nutrição moderna merece um artigo à parte, que fica prometido aqui, mas o mais importante é entender que a pirâmide alimentar é resultado de má ciência. Simples assim! Se você faz uma alimentação baseada na pirâmide alimentar, conta cada uma das calorias que você engole e passa horas na esteira da academia suando como um porco pra tentar queimá-las e acha que com isso está ganhando em saúde, eu sinto muito, mas como Taubes mostra em seus livros, as evidências científicas mais recentes apontam que você está errando, e errando feio! Não é culpa sua. Como eu disse, órgãos oficiais, inclusive associações médicas e de cardiologia continuam recomendando a pirâmide alimentar como a forma mais equilibrada de alimentação.

Eis acima o motivo de tanta gente obesa no mundo. Tem alguma coisa muito errada aí.

Voltemos então ao problema 1 e o papel dos médicos. Certo, então os médicos não passem por uma formação plena em nutrição durante sua graduação, e isso é um problema. Sim! Mas se por um lado isso não é culpa do estudante, por outro lado buscar conhecimento nessa área como um “add-on” é algo que não deixaria mortos e feridos, muito pelo contrário! É responsabilidade de todo médico ler e acompanhar os novos estudos científicos da área médica. Se atualizar em sua própria área não é só um bom conselho, mas é imperativo pra qualquer profissional que queira prestar serviços de qualidade. Tanto mais em se falando de médicos, que invariavelmente têm em suas mãos a responsabilidade de indicar ao paciente o caminho mais curto e seguro para melhorar ou recuperar seu estado de saúde.

A grande questão (e aquela que motivou o título deste artigo) é: não sei precisar quantos, mas boa parte dos médicos simplesmente para de estudar depois de se formarem.

Como eu sei disso?

Simplesmente por experiência própria, e também pelo relato da experiência de várias pessoas, conhecidas ou não, espalhadas pelo Brasil afora, que passam ou passaram pelo mesmo que eu.

Explico. Algumas mitos caíram por terra com estudos recentes, cujos resultados podem ser consultados por qualquer um na internet. Exemplos: mito de que o colesterol alto é um perigo; o mito de que a gordura saturada (de origem animal) faz mal ao coração; o mito de que uma dieta baixa em gorduras vai salvar seu coração; o mito de que óleos vegetais extraídos de sementes são ótimos pro coração; o mito de que as estatinas são medicamentos perfeitamente seguros, e que servem para proteger o coração de doenças cardíacas controlando o colesterol.

“Oi, eu sou o colesterol, seu pior pesadelo… MUAHAHAHA!!!” #sqn

Mesmo tendo tudo isso que foi dito acima sido comprovado com a melhor estirpe de evidência científica, faça a experiência de chegar ao seu cardiologista e apresentar um lipidograma em que seu LDL (o “colesterol ruim”) esteja acima dos níveis convencionados por aí como “seguros”. As chances são enormes de que você testemunhará a seguinte seqüência: a) uma fisionomia de pânico/terror no doutor; b) uma prescrição de estatinas; c) a recomendação de uma dieta baixa em gorduras e rica em óleos vegetais e carboidratos integrais.

Primeiro erro: considerar o “colesterol” como vilão. O colesterol é um esteróide importantíssimo no organismo (usado para produção dos hormônios sexuais, por exemplo), o estudo de Farmingham, um dos maiores já publicados sobre o assunto, deixou evidente que é muito mais perigoso baixar seus níveis artificialmente do que tê-los em níveis supostamente altos. Cerca de 80% do colesterol sérico (presente no sangue) é produzido pelo próprio corpo. Além disso, cada ser humano é um organismo diferente, e produzirá mais ou menos colesterol, dependendo de muitas variáveis, das quais a dieta é apenas uma delas.

Fuja das estatinas como o diabo foge da cruz. Menos se você já sofreu um infarto.

Segundo erro: prescrever estatinas pra qualquer um, sendo que somente podem se beneficiar de seu uso indivíduos que já sofreram infarto alguma vez. Para outras pessoas, não há evidências de benefícios. Somente de efeitos adversos nada desejáveis.

Terceiro erro: dar palpite em dieta sem ter estudado nutrição e sem basear suas recomendações nas últimas descobertas científicas. Com isso, o que o médico acaba fazendo é, muitas vezes, levar o paciente para o caminho inverso. Normalmente recomenda-se cortar carnes vermelhas, mas estas são, na verdade, ricas em gordura saturada, que ajuda a elevar o HDL (aqui, aqui e aqui), que protege o coração, pois ele cumpre a função de “coletar” os lipídios (gorduras) excedentes nos tecidos e nas placas arteriais e devolvê-los ao fígado para posterior excreção. Também recomenda-se usar óleos vegetais extraídos de sementes (soja, girassol, milho, ou ainda pior: canola) utilizando-se métodos nada naturais, no lugar da banha de porco que as vovós utilizavam; ou mesmo a margarina (que quimicamente falando é quase um plástico) no lugar da manteiga feita com o natural (ora, veja só) creme de leite, ignorando que tais óleos (os de sementes) são ricos em ácidos graxos Ômega-6 e, por isso, contribui com a inflamação, sendo justamente a inflamação crônica a principal causa de doença das coronárias. Por fim, recomenda-se consumir grãos integrais (farinha integral, arroz integral e cereais como aveia, cevada, etc.), sendo que o ideal seria que os farináceos e grãos fossem evitados, pois sendo ou não integrais, o fato é que existem alimentos muito mais nutritivos e com carga glicêmica muito menor, que ajudaria a manter a insulina baixa, evitando assim mais uma causa de inflamação crônica e outros problemas, como diabetes tipo II, obesidade, hipertensão e síndrome metabólica (ver aqui).

Como eu disse, o que relatei acima é apenas uma anedota baseada em minhas experiências pessoais e relatos de terceiros. Pessoalmente, já consultei com alguns cardiologistas, mas até a data em que escrevo este artigo, ainda não havia encontrado em minha cidade nenhum que aceitasse o fato da banha de porco ser mais saudável pra cozinhar do que o óleo de canola, queridinho dos cardiologistas ultrapassados, e que é feito de… bem, veja você mesmo:

Assista e reflita: você acha mesmo que isso aí é adequado pra consumo na alimentação? Se você acha que sim, boa sorte!

Moral da história: desconfie do seu médico. Ele não é uma autoridade, até que ele se mostre merecedor de tal título. Lembre-se que, para todos os efeitos, ele é um prestador de serviço: você o paga pra lhe dar conselhos e diretrizes de saúde. Por isso, em vez de obedecê-lo cegamente porque ele supostamente estudou para estar ali, teste-o para saber se ele continua estudando. Pergunte a ele o que ele lhe recomendaria para se prevenir contra doenças cardíacas. Se na opinião dele está tudo bem você continuar comendo pães e bolos desde que feitos com farinha integral e bebendo refrigerante zero, enquanto ordena veementemente ficar longe da picanha, dos ovos, e outras comidas cuja fábrica é a própria natureza, e que nossos avós já comiam, e seus pais, e seus avós… enfim, se isso ocorrer, procure outro médico. Além dele estar colocando meras opiniões (já superadas, aliás) no lugar da ciência, tudo indica que ele também deve ser chato pra caramba.

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Fabrício Ribeiro
Comida de Verdade Não Precisa de Embalagem

Tecnologista, leitor ávido, paleo eater/cooker, runner, bebedor de vinho e café, lifehacker, marido da Pam e pai da Alice e do Francisco.