As sementes que plantamos pelo caminho

Paula Ianelli
Como entrei na localização de jogos
6 min readAug 18, 2017

Na vida, há sempre vários caminhos que levam ao mesmo lugar. Como você já deve ter percebido ao ler os relatos desta sessão, não há nenhuma receita de bolo para entrar na localização de jogos: há quem tenha caído de paraquedas, almejado isso desde a infância, começado no exterior, enviado dezenas de currículos… e feito faculdade de tradução, como no meu caso.

A escolha pelo Bacharelado em Letras com Habilitação em Tradução da UNESP de São José do Rio Preto foi algo bastante racional, muito embora bastante gente nem soubesse que fosse possível estudar isso na faculdade. Na época, tentei analisar as áreas das quais gostava e nas quais era boa, e, com literatura, inglês e escrita na lista, seguir pelo caminho da tradução foi uma escolha natural. E que escolha certa na época! Amei o curso. Aulas de língua, literatura, análise do discurso, morfologia, semiótica, redação, tradução, cultura estrangeira, cultura brasileira. Matérias diversificadas e específicas que me ajudaram na construção de uma base muito sólida de conhecimento linguístico, algo que seria valioso no futuro.

A Ibirce, para os íntimos

Mas é claro que minha história na área começou muito antes disso. Sou apaixonada por videogames desde os seis anos de idade, quando ganhei meu Master System Girl e joguei Mônica no Castelo do Dragão ad infinitum. Essa sempre foi uma grande paixão na minha vida, algo que me traz prazer e conhecimento — até porque, assim como 99% dos tradutores da área, aprendi muito inglês com um controle na mão e um dicionário ao lado. Trabalhar com isso? Nossa senhora. Que sonho. Tão sonho que eu nem imaginava que seria possível. Lembro de uma conversa que tive com alguns colegas durante a faculdade em que eu disse: “Nossa… já pensou se um dia eu traduzir a continuação desse jogo? Seria a realização de um sonho. Eu teria zerado a vida”. Era uma suposição era tão distante, tão impossível, que eu realmente não esperava que ela virasse realidade. Mas virou. Cerca de cinco anos depois, eu estava traduzindo justamente a continuação daquele jogo para o português, no projeto com maior carga emocional que já fiz na vida.

Isso me faz lembrar de uma campanha americana que diz que You can’t be what you can’t see, e foi exatamente isso que aconteceu comigo naquela época. Após quase uma década sem títulos em português, ninguém falava sobre a localização de videogames. A ideia de traduzir jogos parecia muito distante para mim. Eu não estava procurando uma oportunidade de forma ativa, até porque acreditava que seria impossível alcançar esse sonho, mas estava sempre atenta às oportunidades. Minha grande chance veio “por acaso” poucos anos depois de formada, quando uma colega que eu nem conhecia publicou uma mensagem no Facebook dizendo que uma empresa para a qual ela trabalhava estava procurando outros tradutores para jogos de videogame. Larguei tudo o que estava fazendo e fui enviar meu currículo imediatamente, sem mentiras nem exageros, mas com a verdade de que esse era um grande sonho e eu daria tudo de mim para fazer um bom trabalho. Gostaram do currículo e enviaram um teste. Gostaram do teste e começaram a mandar traduções. Gostaram dos primeiros trabalhos e confiaram seus melhores projetos a mim. Foi um início perfeito. Sou grata até hoje à colega generosa que publicou a mensagem no Facebook e a essa empresa tão querida (e seus outros colaboradores fantásticos) com quem trabalho até hoje. Após anos acompanhando os finados grupos do Yahoo, depois os grupos do Facebook, eu estava no local certo e na hora certa em um episódio que mudou minha vida. Que sorte, né?

Mais ou menos…

Mantra para a vida

Uma constante que vemos em histórias de “sucesso” é esta: as pessoas que conseguiram conquistar seus objetivos geralmente estavam preparadas quando surgiu uma oportunidade. Parece algo óbvio, não parece? Mas, acreditem: não é. Recebo mensagens quase toda semana pedindo dicas de como entrar na localização de jogos, mas tenho a impressão de que muita gente está interessada apenas em um atalho, uma solução milagrosa, um caminho mais fácil. E, claro, há quem consiga esse tipo de coisa. Vemos pessoas que realmente deram sorte, estavam no lugar certo na hora certa, e já constróem uma bela carreira. Mas nem sempre funciona assim. E o problema é o longo prazo, pessoal. É o que costumo dizer sobre esse mercado: é mais fácil entrar do que ficar na localização de jogos. Conheço várias pessoas que pegaram atalhos, tiveram oportunidades maravilhosas e… foram dispensadas pelas empresas após poucos meses de trabalho ou caíram no limbo dos tradutores que nunca recebem nada. Porque, no fundo, essas pessoas não estavam prontas. Se quisermos aumentar nossas chances de sucesso em um mercado tão competitivo, nada melhor que plantar cada semente com carinho e esmero, confiando que o trabalho duro gerará frutos no futuro — em vez de pular etapas e meter os pés pelas mãos. Muitas vezes, não sabemos nem que frutos serão esses — talvez eles levem ao exterior, influenciem nossa entrada em outra vertente da profissão ou gerem oportunidades que nem consigamos imaginar no momento. Isso, só o tempo dirá.

O que importa é o preparo, seja ele deliberado ou indireto. O indireto são todas as experiências-semente que não sabemos que cumprirão um papel no futuro. Aquela aula de música clássica que te ensinou concentração, as manhãs de balé que te ensinaram disciplina, o trabalho de atendimento ao cliente que te ajudou a aprender a lidar com as pessoas, as tardes infindáveis que você passou ouvindo músicas em inglês e procurando o que cada linha significava. No momento em que participamos de cada uma dessas atividades, provavelmente não estávamos pensando em como elas seriam úteis para nossa carreira no futuro. Há muitas coisas na vida que geram frutos indiretos, resultados e benefícios que raramente conseguimos prever, mas que podem vir muito a calhar em algum momento. Elas são um tipo de treino invisível. Quer um exemplo mais palpável para o nosso dia a dia? Durante a faculdade, a existência de algumas matérias no currículo revoltava uma parte dos alunos: “Latim? Semiótica? Análise do discurso? Para quê? Estudar isso é uma perda de tempo!”. Todas matérias interessantíssimas que não tinham uma relação imediata com o que eles queriam fazer: traduzir. Relegadas apenas ao esforço necessário para conseguir a nota mínima de aprovação, essas matérias foram desprezadas por muita gente, mas eu mal consigo explicar a você a diferença que elas fizeram na minha formação. Naquela época, sem saber, eu estava me preparando para ser uma profissional mais completa no futuro. Ao explorar áreas que podem parecer um pouco distantes da nossa atuação direta, é possível alcançar um nível muito maior de profundidade, versatilidade e aceitação pelo mercado de trabalho.

Já o preparo deliberado é um pouco mais óbvio. Muito mais direcionado às suas necessidades reais, ele é lapidado exatamente para que alcancemos um certo objetivo no futuro. Você já sabe usar as melhores ferramentas de tradução, por exemplo? Entende muito bem as diferenças morfológicas e sintáticas entre sua língua materna e seus idiomas de trabalho? Escreve com bastante naturalidade? Consegue uma ótima produtividade em um dia de trabalho? Sabe gerenciar seu tempo? Tem proatividade e autonomia suficientes para a vida de freelancer? Consegue brilhar sob pressão? Todo esse preparo fará uma diferença gigantesca na sua atuação no mercado de localização de jogos. É claro que ninguém é perfeito e mesmo os profissionais mais experientes da área podem deixar a desejar em um ou outro quesito de vez em quando, mas, no fundo, são essas (e outras) habilidades que, se praticadas e desenvolvidas, aumentarão suas chances de sucesso permanente.

Porque lembre-se: a prioridade é nutrir sua carreira no longo prazo. Eu prefiro ter fé de que as coisas dão certo quando fazemos a coisa certa. Por isso, prepare-se. Estude, aprenda sobre a área, corra atrás, desenvolva várias habilidades, seja um profissional cada vez melhor e cuide de todas essas sementinhas com carinho. Um dia, você olhará para trás e pensará: “Valeu a pena!”.

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