Localização de jogos: me apaixonei sem querer

Isabela Pedrosa
Como entrei na localização de jogos
4 min readApr 25, 2017

Ai, sinto que entrei bem de gaiata na localização. Mas não é que deu certo?

Eu passei um ano em Toronto pegando matérias de jornalismo na George Brown College e, no último mês de intercâmbio, me apaixonei por um carinha. Pois é, o amor me trouxe para Montreal, a província francófona do Canadá, onde eu descobriria que o fato de não ter nascido bilíngue (leia-se francês + inglês) me impediria de trabalhar na minha área de formação.

Voltei para o Brasil para terminar os estudos, apresentar o TCC, fazer um curso para trabalhar dentro de um navio, desistir do lance do navio e voltar para Montreal. Naquele ano, professores e colegas de turma começaram a me pedir para traduzir resumos de TCCs ou artigos para apresentar em congressos internacionais. Pois é, eu era o que hoje leio nos grupos de tradutores como a “amiga que tinha feito intercâmbio fora e podia traduzir coisas barato ou de graça”.

Enfim, voltei para Montreal e me vi com quatro opções: virar garçonete, renascer bilíngue para trabalhar como jornalista (ha!), fazer outro curso de qualquer coisa como estudante internacional ($$$) ou procurar algum trabalho onde meu português fosse útil.

Do jornalismo ao teste de jogos (Localization Quality Assurance)

[Edit] Este parágrafo foi escrito por último. Mas por mais que eu tente negar, talvez o meu namorado e programador de jogos mereça algum crédito na minha escolha pelo LQA.

Foi assim que descobri a localização de jogos. Passei no teste, na entrevista, e comecei a trabalhar em uma empresa de testes. Meu primeiro dia e meu primeiro bug foram uma bagunça! Refiz aquela coisa mil vezes para deixar bem bonitinho, até receber a bronca do líder pelos spams no e-mail dele. Coitado…

Brincadeiras à parte, é muito legal conhecer o processo de produção de um jogo. E participar do processo é melhor ainda. Nós, os testers, ficávamos na rabeira da cadeia alimentar de produção. Não conhecíamos ou falávamos com programadores, tradutores, produtores. O trabalho era somente ver o bug » corrigir o arquivo de texto ou » tirar screenshots » escrever o bug rapidinho » passar para o colega do outro idioma » procurar um novo bug ou verificar um bug que o colega enviou. Facinho.

Perdi a conta de quantos jogos eu testei naquela empresa (parei em 37). Nem lembro de todos os nomes. Mas era muito massa ver estilos diferentes, termos diferentes para games do mesmo tipo. Passei a anotar as palavrinhas no Google Drive. Quem sabe, com tantos termos e tantos jogos, eu encontraria soluções praquelas pedras no sapato de “buff”, “debuff”, “drop”, etc? Também era interessante ver coisas traduzidas incorretamente por falta de contexto (ou não), ou o texto em português saindo da caixa e atropelando outras palavras no jogo por ser muito longo.

De teste de jogos à tradução/localização

Depois de seis meses, fui convidada para trabalhar na mesma empresa como tradutora. Dessa vez eu era “a tester brasileira que já trabalha aqui na empresa e pode traduzir o jogo”. Nossa, foi ali que entendi o quanto é importante ter o jogo na hora de traduzir! Sério que os coitados só recebem uma planilha de Excel com frases aleatórias? Nem uma imagem? Depois da tradução, eles entregaram o jogo com as strings em português para testar. Ai, mudei tanta coisa…

Mesmo assim, achei a experiência de traduzir um jogo tão legal, ou até mais, que o LQA. Então comecei a estudar: comprei gramáticas, procurei vagas como tradutora voluntária, traduzi jogos indie, crowdsourced e tudo o que consegui encontrar. Eu queria mais! Passei em testes para trabalhos freelancer, parti em busca de empresas de teste maiores para experimentar outros jogos e entrei na Gameloft.

A experiência de trabalhar com tradução in-house em uma AAA foi bem entediante. Depois da vida de freelas com prazos apertadíssimos, na Gameloft eu traduzia, pedia mais, mas não tinha. Não era permitido acessar Facebook, Steam, Youtube, nada. Também não podia me ausentar por mais de 20 minutos sem levar bronca do chefe. Imagina passar oito horas sentada olhando a caixa de entrada do e-mail para ver se tem trabalho… Então voltei para os bons e velhos freelas. ❤

Palestra na GDC

Foto tremida momentos antes de apresentar.

Em 2016, preenchi um formulário e ganhei um ingresso gratuito para um dos maiores eventos de games do mundo, a Game Developers Conference (GDC). O evento é lindo, é impressionante! Imagine encontrar milhares de pessoas acolhedoras interessadas somente em trocar figurinhas sobre a indústria. Sou eternamente grata às Pixelles, um coletivo de Montreal que incentiva mulheres nos jogos, pela oportunidade. E sei que o GDC oferece ingressos para países em desenvolvimento, então fica a dica para quem quiser participar do evento no ano que vem.

Eu senti que deveria retribuir a oportunidade que as Pixelles ofereceram, então prometi para mim que voltaria em 2017 com uma palestra, com algo importante a contribuir. E consegui! Apresentei sobre gênero na localização numa das maiores conferências de games do mundo (Yaay). Veja sobre o que eu falei aqui.

Foi meio que por acidente, mas estou apaixonada pela localização e pela área de jogos — e por ter escolhido ficar nela. A jornalista virou tester, tradutora de jogos e agora é autônoma e está gerenciando a própria equipe. E vamos ver para onde as experiências vão me levar…

--

--