Ponto de viragem

Luís Labres
Como entrei na localização de jogos
4 min readMar 17, 2017

“Eu tenho um sonho […]”, citando o Juninho*, parece-me uma boa maneira de começar, tanto este artigo quanto uma carreira. Com um sonho em mente, com um objetivo traçado, só faltará a perseverança para dar um passo a cada dia na busca da meta almejada.

A minha própria inspiração onírica surgiu não faz muito tempo. Foi em 2011, um ano de grande mudança em minha vida, que um lampejo quase epifânico irrompeu em minha mente: “quero ser capaz de sobreviver ao capitalismo a partir de qualquer ponto do globo terrestre”. Na época, minha experiência era em Administração. No decorrer de sete anos, experimentei quatro empregos “diferentes” na área. Foi legal, mas ao contrário — isso é só a minha opinião, quem nasceu pra coisa, gosta mesmo. Eu queria mudar, mas não sabia para onde apontar a luneta…

Entre 2010 e 2011, houve algumas pessoas que me deram uma luz e nem sabem. Estrangeiros com quem conversei, em inglês, e que sinceramente elogiaram minha capacidade com a tal língua — e aqui agradeço o privilégio de ter tido um pai que me colocou num curso de inglês com 10, 11 anos de idade. “Se você leva jeito para alguma coisa, aproveite-a” — alguém deve ter dito isso no passado. Estava decidido: trabalhar com inglês. Com o sonho em mente, tradução foi quase um instinto.

Currículo (?) embaixo do braço, bati na porta de uma agência: “Opa! Manjo dos inglês, dá trabalho pra nóis aí, tio”. Até que foram educados comigo, encaminharam um teste pelo e-mail… Mas é claro que não deu certo, eu não tinha a menor ideia do que estava fazendo. Depois de algumas frustrações, comecei a dar aulas de inglês no mesmo curso que me formara. E nisso eu seguiria por alguns anos. Em 2012, matriculei-me numa pós-graduação em Estudos da Tradução. Dois anos de aulas aos sábados, das 8h às 17h… Maravilha! E nunca estudei tanto na vida, gostava mesmo.

Nessa especialização, aprendi muita coisa e conheci muitas pessoas. Continuava dando aulas e buscando trabalhos de tradução. Um abstract aqui, um projetinho ali, nada consistente. Até lembro de um jogo de celular que um colega me indicou e fiz — meu primeiro contato com localização de jogos, mas não seria essa centelha que viria a acender o braseiro.

Em 2013, acompanhando o grupo de Tradutores e Intérpretes do Facebook, vi que postaram uma lista de agências de tradução espalhadas pelo mundo, com nomes, sites e e-mails. Peguei a tal lista e cruzei os dados dela com o BlueBoard do ProZ (dá uma lida no artigo da Sheila, se tu boiou aqui). Deu trabalho pra caramba, mas cheguei numa lista com nomes, sites, e-mails, países, notas e número de votantes para cada agência. Com essa lista em mãos, comecei a enviar e-mails pra agências. É difícil, frustrante e cansativo, mas, com sorte, pode dar certo.

Com uma agência que mandava alguns projetinhos de vez em quando, alguns clientes diretos no mesmo esquema e algumas economias, em 2014 fui pra São Paulo. O plano era estudar mais, talvez até para ser intérprete. Lá comecei a procurar mais trabalhos, in-house, freelancer, voluntário… Não foi fácil, a não ser no voluntariado, que sempre tem coisa. Tentei me cadastrar em alguns sites de freelancers, vulgos sites de leilão ao contrário… E, sinceramente, voluntariado fazia mais sentido pra mim… 0,005 a palavra? Não errei, meio centavo mesmo. Mas claro, isso é o extremo do absurdo, tinha uns projetos que pagavam até 0,02 (se ninguém oferecesse fazer por menos).

Seguindo na busca, consegui um contrato com um site que produzia artigos gerais em inglês e buscava traduções para diversas línguas. Ajudou. Mas foi ali por junho que eu chegaria numa encruzilhada determinante. Estava em tratativas com uma agência de tradução jurídica que buscava algum aprendiz para trabalho in-house. Ofereciam treinamento intensivo, pagamento justo e um plano de crescimento interessante. Ao mesmo tempo, tinha enviado um currículo para uma vaga de Game Tester na Electronic Arts, vaga que vi num desses sites de empregos, mas não tinha muita esperança.

Numa tarde qualquer, ligaram-me da EA, de Madrid. Fizemos algumas entrevistas, e a expectativa começou a efervescer. De repente eu estava com dois caminhos em mãos: a vaga in-house era sólida, promissora. A vaga da EA era temporária, dois meses de trabalho só. Mas… né… EA, pô! Testando jogos! Pedi desculpas pra agência, e firmei o acordo para ser testador de jogos.

Essa experiência viria a agregar bastante ao currículo. Mas mais do que isso, foi ali que eu me fascinei pelo trabalho com jogos. No ano seguinte, 2015, fiquei sabendo de um concurso mundial de localização de jogos, o LocJAM. Inscrevi-me e tentei. Eram dois ganhadores no nível profissional e dois no nível amador no par EN > PTBR. Tentei o profissional, afinal, trabalhava com tradução (mas não tão focado em jogos ainda). Por sorte e um mínimo de competência (ou seria o contrário?), ganhei.

A vitória no concurso abriu muitas portas. A agência com que mais trabalho hoje em dia veio de lá. Desde então, busco trabalhos apenas na área de jogos, e aos poucos vou filtrando os projetos de outras áreas que ainda recebo. Firmei contrato com outras agências de localização de jogos e, por enquanto, tenho tido um fluxo constante de projetos. Mesmo assim, na busca por novos clientes, ainda recebo “nãos” por e-mail, o segredo é não desanimar.

*Referência a Martin Luther King Jr., numa tentativa de comicidade.

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