Important Conversation — Shoshanah Dubiner

Escutar exige autoesquecimento. Falar, autoconsciência e compaixão.

Futuro Possível
Revista Possível
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4 min readJul 3, 2020

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Por Lua Couto — Comunicadora, diretora criativa e pesquisadora de narrativas regenerativas para futuros possíveis. Lua é idealizadora do Futuro Possível.

O ato de comunicar com palavras, algo próprio dos seres humanos, não é assim tão simples quanto aparenta. Existe uma complexidade inata no falar-ouvir. E afirmo essa complexidade não só no campo biológico, nas descargas elétricas cerebrais e movimentos musculares necessários para emitir os sons que saem pelas nessas bocas e para captar os sons do mundo, mas também na simbiose entre escuta e fala, entre eu e o outro, entre a mente e o coração na articulação de palavras mútuas.

Falar com consciência é sobre transformação. E como tal, é habilidade fundamental na construção de comunidades e de futuros desejáveis, nesse tecer social a partir de um lugar de compaixão, respeito e empatia.

Então vamos abrir o processo de comunicar a partir dessa visão de comunicação enquanto habilidade de responder ao outro e a si mesmo de maneira compassiva, especialmente em situações de conflito e ver onde chegamos.

O cuidado parece ser o ponto de partida. Cuidar significa tratar bem, com zelo. E o zelo na comunicação passa por observar a nós e ao outro livre de avaliação e julgamento. Observar a como nosso próprio corpo reage ao que recebemos de informação. Ao que ele nos diz sobre como estamos lidando. Fala sobre nos tornarmos conscientes de nossos sentimentos e de nossas necessidade atendidas ou não durante o diálogo. O cuidado com as palavras é antes um zelo com nós mesmos e com o outro. Um cuidado em expressar nossas necessidades sem culpar ou atacar permitindo assim que o outro reaja a partir de um lugar de abertura.

Identificar nossas necessidades mais profundas e as dos outros nos dá clareza. Permitindo que consigamos solicitar aquilo que nos é necessário sem expectativas ou exigências. Evitando frustrações e conflitos. Quando nos focamos em esclarecer aquilo que observamos, sentimos e precisamos ao invés de diagnosticar e julgar, partindo de um lugar interno esclarecido, descobrimos a beleza de nossa compaixão. E só assim nos conectamos verdadeiramente com o outro. A conexão emerge da compaixão. Daquilo que nos é comum.

A escuta profunda é uma oportunidade de autoconhecimento. Nossa capacidade de não somente ouvir as palavras do outro mas de conseguir abraçá-las e honrá-las. Aceitando e deixando ir nossas expectativas e julgamentos internos.

A escuta é uma atividade expansiva. Quando penso nisso, me imagino crescendo a cada diálogo. Imagino o mundo de possibilidades evolutivas que nos é dado pelo simples fato de parar diante do outro em oferta, em abertura para conhecer o seu mundo.

É importante observar que ao ouvir, a nós mesmos, ao outro ou ao mundo que nos cerca, a todo tempo estamos projetando opiniões e ideias.

É como se existisse um pano de fundo persistente feito de preconceitos, experiências, inclinações e impulsos que a maior parte do tempo quer ser protagonista. Impedindo que vejamos e ouçamos a outra pessoa.

Quando escutamos sem consciência desse pano de fundo, a comunicação parece não ter valor. Porque acessar as informações externas a nós parece ser impossível. Krishnamurti nos diz lindamente que só é possível escutar e assim aprender quando suspendemos esse pano de fundo e entramos num estado de silêncio e atenção plena.

Escutar exige um autoesquecimento disciplinado. Porque estamos a maior parte do tempo muito concentrados em nós mesmos. E para que a escuta possa acontecer precisamos ter espaço interno suficiente para acolher o que recebemos do outro.

Além da liberação da mente, precisamos ser capazes de empatizar. Ouvir e observar as emoções e o contexto da pessoa com quem falamos. Para ouvir de maneira eficaz precisamos exercitar nossa humildade e resistir ao desejo de ensinar e nos mostrarmos superiores buscando elos de ligação no campo de nossas experiências compartilhadas.

Alguns Elementos da escuta profunda:

  1. Respeito aos limites do outro: ser sensível as respostas do outro sem exigir que ele se adapte ou caiba em nossas ideias.
  2. O outro como oportunidade de conhecer a si mesmo a partir de suas reações, sua raiva, dor, necessidades. O que a situação e o outro tem a me ensinar?
  3. Somos parte do todo: Com humildade compreendemos que não sabemos toda a verdade e com uma postura de aprendizes somos capazes de entender que não possuímos toda a verdade.

Habilidades do diálogo (segundo David Bohn):

  1. Suspensão: suspender é observar nossas reações e não precisar agir. É separar nossas ideias da verdade abrindo espaço para outras verdades.
  2. Escuta: com empatia
  3. Descoberta: do que está oculto em nós e no outro

E para finalizar gostaria de falar sobre curiosidade. Acredito que estar em abertura é estar em curiosidade para conhecer um mundo que ainda não conhecemos. Mundos que inclusive não sabemos que não sabemos que existem. Uma postura de curiosidade diante da vida e do outro, nos oferece o espaço interno necessário para o aprendizado, para a expansão, para a escuta (e a auto-escuta).

Escrevo tudo isso não de uma posição de alguém que já dominou essas ideias e técnicas, longe disso. Mas de alguém com o desejo e o comprometimento cotidianos do exercitar essa escuta profunda do meu próprio pano de fundo e entender melhor, primeiro, minhas necessidades não atendidas. E a partir desse lugar de observação interna, colocar em prática nos meus diálogos a observação compassiva do outro.

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