Esperança Ativa: Como É Possível Acreditar em Novos Mundos

Futuro Possível
Revista Possível
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4 min readOct 6, 2021

Esperançar não é atitude passiva, daquelas que esperam a mudança cair do céu; ela é algo vivo, uma estratégia para (re)existir | Por Lua Couto

Na festa do fim do mundo, existem alguns conceitos que são como estradas de fuga da Velha História em colapso. Esperança é um deles. Mas antes de começar a me aprofundar na Esperança em que acredito, precisamos separar a esperança infantil que espera as mudanças caírem do céu, que é idealista e ignora a existência enquanto fator criador da realidade, daquela praticada todos os dias como (re) existência, ou seja, novas formas de existir-ser-pensar-sentir o mundo sabendo que se é parte dele e que se constrói o futuro.

Joanna Macy e Chris Johnstone dão a essa esperança o nome de Esperança Ativa. Paulo Freire, o patrono da educação brasileira, lá atrás já falava sobre a importância da Esperança enquanto ação-reflexão que leva a transformação social. Esse não será um texto cheio de referências apesar de ter começado mencionando esses autores que precisam do meu reconhecimento.

A Esperança de que quero falar começa por uma compreensão crítica da realidade. O que por si só é uma empreitada cheia de idas e vindas, aceitações e recusas, resiliência e força vital. Iniciação e travessia para outras formas de si mesmo.

Ter esperança não é ser gratiluz

É muito comum a gente ouvir discussões acaloradas onde de um lado se fazem críticas às pessoas ‘good vibes’ ou ‘gratiluz’ por sua esperança cega na transformação pessoal despolitizada, e por outro lado, às pessoas de movimentos organizados que não abordam a importância da transformação na dimensão do indivíduo.

Na visão de autores que dão sustentação ao trabalho que faço na Regeneração e no Futuro Possível (saiba mais acessando aqui), essas dimensões da mudança são indissociáveis. São caminhos que se reverberam, estão emaranhados.

É preciso fazer um adendo aqui sobre a importância de ter como premissa o coletivo, porque se a mudança que buscamos se findar em nós mesmos (especialmente em nós que gozamos de privilégios sociais), de certo estamos reverberando a Velha História centrada no ‘eu’ e no ‘o outro é problema dele’. Uma postura individualista fundadora da lógica da modernidade que ignora a interconexão como princípio da vida e mantém exatamente as coisas como estão.

Pensar criticamente o mundo começa por fazer um reconhecimento do projeto em que somos agentes-vítimas. No nosso caso, vou chamar de projeto da modernidade, que começou há mais de cinco séculos e criou esse mundo hierarquizado, encaixotado, mental, branco, patriarcal, capitalista, consumista, racista, tecnocrata, neoliberalista e por aí vai.

Esse é o mundo em que nós vivemos. Os fatos estão aí, é só procurar no Google; existem pensadores incríveis falando cada um a partir da sua singularidade. E esse mundo que está nos atravessando tem uma forma específica que dá forma também aos nossos pensamentos. E pra esse mundo, como diz Mark Fischer, é mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo. Ontem mesmo li que a ideia de apocalipse é por si só colonialista, porque acredita que o fim do colonialismo implica o fim do mundo.

A esperança como revolução

Marcela Cantuária

Nesse cenário, Esperança enquanto verbo Esperançar é ato revolucionário. É dizer: “Apesar do que estão me vendendo, acredito que um outro mundo é possível e que posso fazer ele acontecer junto às minhas comunidades. Ele não só é possível como reconheço que existem centenas de milhares de pessoas agindo de formas diferentes ao que fomos programados para reproduzir. Sim, centenas de milhares de pessoas com suas ações invisíveis transformando esse mundo um pouco de cada vez. Com suas escolhas, palavras, movimentos, relacionamentos, articulações, resistências.”

A história em que vivemos está nos colocando em rota de colisão com o desastre. As crises entrelaçadas e crescentes nos mostram que não há muito tempo. E isso é assustador. Na maioria de nós provoca uma culpa e paralisia que sinto como mecanismo de proteção da história que está morrendo.

Mas e se eu te disser que essa culpa e paralisia podem ser só auto-indulgência, própria de um mundo pautado no prazer e no pensamento de curto prazo? E se eu te disser que você tem resiliência suficiente para ir além da culpa? E mais do que isso, e se eu te disser que ir além é o que a natureza (da qual todos somos parte) está pedindo a todos nós?

A vida em movimento

Nessa perspectiva, Esperança vai muito além de otimismo. É a vida que atravessa todos os lugares acreditando em si mesma. Na sua capacidade de regenerar seus sistemas. É ela em nós colocando movimento naquilo que é essencial.

Quando me perguntam o que é Regeneração, eu tenho uma forma simples de explicar e que tem sintonia com o que vim falando até aqui. Regeneração é a força da vida. É o que garante a ela sua presença contínua. É como tudo se organiza para garantir que a vida se mantenha presente.

Apesar dos esforços do projeto de mundo que está aí, existe algo anterior pulsando em nós. Que é ao mesmo tempo individual e coletivo. Humano e não-humano. Algo que está presente e sobre o qual nem temos linguagem para falar. Algo que é soberano sobre nossas cabeças e que nos empurra em direção: 1. à experimentação, 2. à mudança e 3. à preservação da vida em sua mais ampla compreensão. Por isso, não se engane. Esperança é estratégia de (re)existência.

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Movimento que investiga futuros possíveis a partir da lente da regeneração.