Amém

ETA Santo André
comorgulho
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3 min readMar 10, 2021
Giuliane R. Costa

Creio que era 2017, não tenho certeza. Retornava a pauta da cura gay. Foi falado sobre isso, viu não?! Eu sei que parece brincadeira, mas não é.

Tratamentos de reversão sexual, terapia de conversão, transformação sexual ou terapia reparativa com o intuito de: extinguir a homossexualidade de um indivíduo. Enquanto pensam nisso, cá estou eu querendo entender porque é que os políticos imploram por apoio populacional sobre… O que?! Sobre o meu amor? Sobre quem eu amo; é isso mesmo?! O mais sórdido é que o apoio existe. Essas pessoas existem, às vezes na nossa própria família.

Tratamento de ordem clínica.

Tratamento de ordem religiosa.

A orientação sexual tratada como doença.

Cura.

Vai me curar de quê? Do amor, é?

Isso tudo para falar que por conta dessa polêmica me veio uma tia minha, que já sabe da minha orientação há mais de… o quê… dez anos e me manda um vídeo de uma menina. Ela às vezes manda umas coisas interessantes — juro, então eu fui dar uma olhadinha, mas em dois segundos: ar-re-pen-di-da.

Uma pobre coitada, crente, falando que foi curada depois que entrou no grupo da igreja. A ex-lésbica. Cu-ra-da, viu? Deve estar como uma hora dessa?! Com a cabeça fechada, quebrada, coitada. “Eu sinto muito por você”, foi o que pensei quando eu sem querer cliquei em “abrir o vídeo” e me deparei com aquilo.

É claro que eu não assisti, apenas enviei uma frase para minha tia rebatendo aquele filme ridículo que ela me enviara. Sabe qual foi a resposta dela?

“Assim você me ofende.”

E sabe o que eu havia falado?

“Por favor, não me envie absolutamente nenhum conteúdo assim, desse tipo.”

“Degradante esse tipo de atitude, aposto que você sequer viu o vídeo”.

Ah, a minha atitude que é degradante! Ela querendo me obrigar a gostar de macho e fazer uma terapia na igreja de reversão sexual é tranquilo, mas eu dizer para ela não me mandar esse tipo de vídeo, não. Eu é que sou muito ofensiva.

E aí veio a minha avó em um outro dia nessa mesma época por conta desse mesmo tema. Eu deitada assistindo televisão e foi quando ela passou a mão em minha cabeça. Minha avó sempre teve isso, de abençoar. Muito religiosa ela, estende a mão sob as cabeças de todos da família; mas engraçado, desta vez apitou algo em mim, como um sexto sentido.

Apesar de eu não ter uma crença religiosa específica, retrucava tais bênçãos com um “amém”, e apesar de não ter uma crença religiosa específica, sou dessas que acredita em energia, e aquela impostação de mão, apesar de comum, fez com que de alguma maneira eu me sentisse ofendida.

Olhei para ela lançando uma feição desconfiada que em menos de segundos foi comprovada.

“Abençoando você para ver se muda esse… hum… comportamento. Tudo o que a gente quer a gente consegue mudar, minha filha. Você pode reverter isso.”

Comprovadamente a suposta reversão causa danos físicos e psicológicos na pessoa a qual será tratada. A ONU diz: tortura psicológica. Apoia? Não precisa me dizer mais nada, porque agora quem vai falar sou eu.

O comportamento que precisa ser alterado é o das pessoas. E na boa? Vem um monte de gente dizer “tem que entender porque ela é de outra época”, “é a idade”, e agora eu digo “se fode!”, porque eu tô cansada dessa vaidade. Eu tô exausta de ter que explicar sobre capacidade de amar.

Eu cansei de responder amém para quem acha que o problema do mundo é a tesoura das mulheres ou os caras que dão o cu. O problema do mundo é gente bitolada, que acha que amar se restringe a dois virar um… O amor se restringe… A que mesmo? O amor não devia libertar?

“Ai que eu não acho certo e não sei o quê”.

“A minha religião é contra…”

A religião é sua, mas a boceta é minha.

E eu vou seguir colando vulva com vulva.

E, ah, ‘tá me achando muito ofensiva?

Amém.

Giuliane R. Costa

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ETA Santo André
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Página dedicada à programação do Espaço de Tecnologias e Artes do Sesc Santo André.