Ao meu avô, com Orgulho

ETA Santo André
comorgulho
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3 min readMar 10, 2021
Valdeck Almeida

O depoimento que escrevo aqui não é sobre como se deu a conversa com a minha mãe e com o meu pai, mesmo que eu a considere bem importante. Eu quero falar sobre uma conversa que eu gostaria de ter. Uma conversa com meu falecido avô.

Quando meu avô faleceu eu tinha uns 15 anos e não tava nem perto de me assumir. Isso já tem quase 10 anos e eu me assumi pra minha família no início desse ano. Prestes a fazer 25 anos. Com certeza sempre fui… mas me assumir… era algo que passava longe.

Nesse ano de 2020, eu dei continuidade a uma cena de teatro que comecei a escrever no ano passado. Um trabalho autoficcional, no qual eu falo sobre o desejo de um novo encontro com o meu avô e, a partir desse encontro, reflito sobre a sua importância na minha vida e sobre alguns temas que me permeiam desde a infância. E, na escrita desses temas, me veio uma questão: a amizade com o meu avô se sustentaria sendo eu um neto bicha? Sendo o meu avô uma pessoa que sempre teve um imenso prazer em sentar no sofá da sala, em volta de uma mesa pra conversar — teria o mesmo prazer e disponibilidade pra conversar com um neto gay? De acolher as minhas angústias como sempre fez? De manter uma conversa franca e estar aberto para a escuta, como escutava as minhas indagações de criança?

Essa conversa não teria o intuito de eu ter a sua “aprovação”. Pelo menos isso eu já superei! A conversa seria no intuito de saber se poderia contar com o seu amor, pra que eu possa exercer o meu. Eu de fato não consigo imaginar o que ele responderia, mas logo lembro do constrangimento e a decepção que eu tinha quando ele fazia comentários homofóbicos e racistas… O meu interesse é de saber se a pessoa que mais me ensinou sobre amar tinha de fato a dimensão libertária do amor.

Atualmente estou em uma relação. A primeira vez que me permiti de verdade me envolver com outro homem. Vô, cê tem noção do que é isso? 25 anos na cara! E isso não é porque eu não tinha desejo antes. É só porque eu não me permitia. Tinha medo. Assim como permaneço com receio nessa escrita. Hoje em dia até comecei a escrever sobre amor… Logo eu, tão racional… Umas boas escritas. Porque parece que tem uma escrita acumulada. De um vocabulário que ficou retido — preso. E hoje as palavras encontram mais espaços no caderno e no computador. Vão se acumulando em páginas e arquivos pra que em breve sejam partilhadas. Palavra é corpo que deve fruir de companhia.

Hoje eu vejo como é lindo o que sou. Como me sinto cada vez melhor em não carregar mais a angústia da negação. De ter a certeza de como quero caminhar. Por isso, faço esse exercício de fabulação. Pra partilhar com meu avô essa alegria que venho sentindo.

Quero seguir contigo, vô, mas com todo o meu ORGULHO.

Texto de Pedro Barroso.
A leitura abaixo é de Valdeck Almeida.

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ETA Santo André
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Página dedicada à programação do Espaço de Tecnologias e Artes do Sesc Santo André.