Carta de um@ ex-suicida à sua mãe morta

ETA Santo André
comorgulho
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4 min readMar 2, 2021

Salvador, 07 de novembro de 2020

Pedro Barroso

Bença, Mãe!

“Salve Rainha, Mãe de Deus, Rogai por nós, pecadores, agora e na hora de nossa morte, amém”. Kiiiiiiiiiiiiiiiu! Essa é a churria que posso dar pra senhora, hahaha.

Minha Mãe, escrevo pra saber da senhora e dar notícias minhas. Espero que a senhora esteja em paz e rezando por mim.

Mãe, minha primeira vez não foi primeira vez. O vizinho me chamou e ficou deitado em cima de mim. Essa é minha primeira lembrança. Não houve penetração, não vi o pênis dele, não sabia o que estava acontecendo. Na busca por identidade, me apaixonei por meninas, namorei, fodi, peguei gonorreia. Até casei com uma mulher. Ela descobriu que eu era viad@, ficou chocada, mas entendeu. A primeira vez que dei o cu foi numa foda a três. Dali em diante, a bichon@ escapuliu e o casamento se fudeu. Parei de torturar meu cu, que estava em greve de fome de pica há vinte e três anos. E não adiantou as advertências: “Homem com homem, é lobisomem; mulher com mulher, é jacaré”, “Se um homem peidar com a pica dentro do cu, só solta com cirurgia”.

Essas crendices forjaram meu paletó de homofobia internalizada. Por isso nunca me assumi g@y, lutei pra não parecer uma bich@, criei vidas paralelas e me perdi nesse labirinto pra sobreviver. Virei uma viad@ autossabotadora. A tentativa de ser invisível não me salvou: fui espancada na infância por um vizinho, e na adolescência por um grupo de rapazes em uma festa de largo. Hoje sofro outras violências. O ódio não dá trégua!

Sempre tive a ilusão de namorar, casar, levar uma vida pacata. Mas os homens só me queriam para um sexo delivery, um AI-fode. Me acostumei com a ideia e continuei sonhando com uma legião de anjos roludos, picudos, cacetudos, chibatudos, varudos, madeirudos se aproveitando de minha inocência.

Sabe, mãe, meu primeiro gozo foi com Lulu Santos. Eu estava no chão da sala da vizinha, sentadinha assistindo ao cantor famoso. A dança de Lulu me atraiu sexualmente, comecei a acariciar meu grelo. Meu pinto cresceu e em seguida senti uma gosma quente nos dedos. Corri pra casa, envergonhado. A partir dali, gozar escondido virou uma fantasia. Eu comia com os moleques com os olhos, pela greta da janela, enquanto eles jogavam bola no campinho; e também fantasiava loucuras com as fotos dos machos nas revistas Hermes e Avon.

Minha mãe, peço perdão por ter sido atraído para a igreja batista por um filme que demonizava a vida mundana; desculpe por ter catequizado a senhora, a família e os cinquenta vizinhos do lado esquerdo e os cinquenta do lado direito. Ainda bem que acordei a tempo e tirei todos de lá.

Minha vingança, mãe, é que, anos mais tarde, já possuída pelo demônio da orgia anal e com um intenso fogo no chicote, virei uma bich@ dadeira. Como não tinha motel pra viad@, me refugiei nas igrejas. Quer dizer, nos cinemas que depois viraram igrejas. Ali eu tinha segurança e cumplicidade. Era viad@ pra todo lado, e muitos homens querendo lascar uma cachorr@.

Era só o fiofó piscar, sentir vontade de ser enrabada, corria pra igreja, ops, pro cinema… Eu fui uma das mais assíduas frequentadoras dos Templos de Dar o Cu. Em Salvador me lembro do Jandaia, Astor e Tupi, onde a gente disputava pica com as travestis; Cine Bahia, Art 1 e 2, Pax 1 e 2, frequentados por bichas de classe média, machudas, bombadas, musculosas, discretinhas; Glauber Rocha, Excelsior, Ponto Alto 1 e 2 e os cines dos shoppings, habitados por viad@ perfumada, cabelinho no grau, cheias de frescura e com cara de nojo. Tinha diferença também na clientela. Eu fazia cu doce, mas no fim dava pra todos. Por isso adotei minha luta marcial preferida: Chio-Chio-E-Dô. Mas não era só alegria, não! Tinha porrada, segurança perseguindo a gente, dava uma sensação deliciosa, o medo e as agressões eram um tempero especial. Me faz lembrar as tentativas de suicídio com Pitú e Baygon, as internações, e o tititi da vizinhança. O sexo com desconhecidos sempre me excita, mãe. Mas depois corro pro chuveiro tentando me livrar da depravação e da culpa…

Sabe, mãe, foder virou uma religião. Como sou muito caridosa, segunda-feira, eu dou o rabo, terça-feira, libero o cu, quarta-feira, solto o chicote, quinta-feira, faço doação aos moleques, sexta-feira, abro a bunda para os machos, sábado, faço distribuição de rosquinha; domingo, pra descansar, recebo rola somente até meio-dia.

Por último, minha mãe, se eu fosse a senhora desmorria e voltava pra ver que eu, apesar de tanto sofrimento, ainda luto contra o desejo de me autodestruir e de vez em quando fico feliz porque ainda estou VIVAAAAAA!

Ahhh, quando eu morrer quero meu paraíso: florestas com rolas imensas atacando as viad@s, enfiando em todos os poros, gozando eternamente… Eu ouvi um Amém?

Beeeeeença mãããããeeee

Sua filha:
Aretuzca Krasnospresnenskaya Suvorova Spritzgëlder

Valdeck Almeida

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ETA Santo André
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Página dedicada à programação do Espaço de Tecnologias e Artes do Sesc Santo André.