Meu garoto

ETA Santo André
comorgulho
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1 min readMar 2, 2021
Henrique Vitorino

Entre meu avô adotivo e eu, cinquenta anos de diferença. Cinquenta
medos bobos, cinquenta ansiedades. Cinquenta motivos para o silêncio.

- Vovô, preciso contar uma coisa para você.

O silêncio ia e vinha como maré calma naqueles olhos azuis. No
parque, as árvores se acotovelavam para assistir.

- Eu não tenho interesse nas meninas. Eu gosto mesmo é dos
meninos.

De súbito, meu avô enrijeceu.

- Você não é gay.

Tive impressão de ser conduzido à guilhotina.

- Quis te contar porque confio em você… Meus pais ainda não
conseguem me entender e…

O carinho do velho me interrompeu.

- Para mim, você não é um gay, mas somente meu neto.

Vovô segurou minhas mãos chorosas e jurou fidelidade. “Deixa de
tristeza, garoto, que eu te amo do seu jeito!” Respirei, enfim. Por
insistência do avô, tiramos uma foto de lembrança. Nele, o sorriso por
merecer tamanha confiança. Em mim, a careta para segurar o choro.

Saímos do parque rindo, falando alto, de mãos e braços dados.

Chegando em casa, meu velho não se conteve:

- Acho que pensaram que somos namorados.

Foi assim que nunca mais nos desgrudamos.

Henrique Vitorino

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ETA Santo André
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Página dedicada à programação do Espaço de Tecnologias e Artes do Sesc Santo André.