Escárnio

Igor Gehrke
Composição Literária
2 min readDec 11, 2020
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Já não sei dizer se o que me desaponta é a idealização, que agora se mostra claramente equivocada. Ou talvez tudo tenha mudado, e só consegui perceber agora. Quem sabe eu é que tenha mudado, e o resto continua exatamente igual.

Mas algo parece fora do lugar, como um quadro torto numa parede vazia. Como a roupa suja, esquecida no chão do banheiro, em uma manhã curta demais.

Há esta pequena engrenagem em meus pensamentos, que avança lentamente. Um dente por vez, cada vez mais, longe do instante verdadeiro que se passou.
Me intriga esta imagem do que já foi meu herói, e hoje é um ser disforme. Tudo o que vejo refletido é a morte da esperança, que desaba sobre minha cabeça, em um quase nocaute.

A engrenagem avança, me deixando mais longe e, ao mesmo tempo, mais perto do que desacredito. Das atitudes contraditórias e destrutivas, que abomino e almejo com uma obsessão quase doentia.
Quase, sempre quase alguma coisa, mas nunca tudo, nunca pleno, nunca em paz.

A âncora antagônica que freia o futuro pesa nas costas. Âncora não é raiz. Não nutre, não vive, nos mantém à deriva.
Meus heróis não morreram de overdose, ainda, mas estão matando a minha luz. Meus amigos são o poder, assim como eu, mas poder não é fazer. Querer não é ser. Desejar a luz e não tentar conseguir, nos faz igual aos que abraçam e espalham a escuridão.

O descaso escarnado da indiferença é o que há de triste. O que há de mais triste é o não saber se sou capaz de iluminar os caminhos daqueles que acredito, quando mal consigo os meus. É manter viva uma frágil esperança, comprimida por vigas de aço e ferrugem.
Sonhar é acender uma pequena fogueira no frio de uma montanha. Viver é se aquecer. Existir é compartilhar o calor.

Os aplausos são importantes para quem escreve — eles vão de 1 a 50dê quantos considerar que o texto merece.

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