Flor da meia noite
- Você ainda nem desabrochou. — disseram.
Será? Mas e depois? Qual é o destino de uma flor depois de desabrochar? Ser cortada para virar um buquê? Buquê são flores mortas.
Talvez eu já tenha desabrochado e secado mais vezes do que é possível ser, ou do que você possa acreditar.
Hoje, nesta madrugada infinita e infinitamente rápida demais, penso.
Reavalio tudo, reavalio a todos.
Penso em meu processo nesta coisa chamada vida, mas que na realidade é algo inominável.
A que propósito devo servir? Decorar um jardim de paisagens estáticas? Ser macerado, para então perfumar um pescoço indiferente e injusto?
Dogmática, embebida em senso comum. Em indiferença, e quem sabe egoísmo, o que tentam me vender como a ideia de florescimento. Da transformação. Desse ideal universal. Tudo isso é alheio a mim, e eu a tudo isso. Pensei, e até disse, mas agora retiro, emprestar não. Nada vem do nada. Sempre existe uma fatura sentimental, cobrada e paga em forma de atenção à contramão, numa via de mão quase sempre única.
Não, não é sobre varrer para debaixo do tapete, esconder meus defeitos, erros e esta ou outra tristeza passageira, como tudo. Prefiro deixar o tudo à vista.
É sobre ignorar os próprios. É também sobre colocar a si mesmo sempre como a prioridade, assim todo ser humano se desumaniza. Deixa o ser de ser, sem tentar é mais fácil esquecer.
Mais que isso, é sobre aceitar o tempo no tempo que nos é dado.
É sobre entender que todos os caminhos nos levam ao mesmo lugar.
Preocupação, eu sei. No fundo me sinto agradecido por ter alguém que se preocupe com o fato de eu desabrochar ou desistir, esquecendo de tentar. Mas palavras são navalhas e, nesse caso, de dois gumes.
Perdão, busco para você um esparadrapo assim que eu parar de sangrar.
O corte podemos costurar, já até costurei o meu,
E, ainda, espero poder ajudar com o seu.
Mas esta cicatriz permaneceu por um tempo tão longo quanto levei para desabrochar outra vez. O acabei de fazer, aqui e agora, neste instante.
Não consegue perceber? Sou flor da meia noite.
A cicatriz não provém da verdade. Esta realidade, que julgamos como verdade, apenas deixa um hematoma vez ou outra. Derruba uma pétala já seca, que cairia de qualquer forma.
O corte vem do fato de um ser, comigo, amigo.
Ter a indiferença de conceber a ideia de que eu sou algo incompleto.
Ainda por virar uma coisa outra.
Por sair de um casulo que nem sei se é meu, ou se apenas invasão.
É sobre você olhar de um ângulo plongée, e eu sempre do contra.
Não preciso provar nada para ninguém, eu sei.
Também não preciso provar que eu não preciso provar.
Não, nem a mim mesmo.
Agradeço, amigo, pela sementinha de dúvida lançada aqui, nesta minha mente perturbada.
Agradeço também pela inspiração para mais um poema.
Mas, te peço, não assuma nada. Não espere nada. Não queira nada.
Porque querer é apenas uma necessidade, como todas, egoísta.
Provavelmente tanto quanto estas palavras secas que escrevo.
Mas todo egoísmo pode, e deve, se tornar algo maior.
Todo sentimento deveria ser algo mais, além de sentido.
É preciso doar. É preciso dar e esquecer o sentido, sentindo.
Agora.
Apenas usemos desta metamorfose, transfigurada na vaga lembrança de uma poesia que esquecemos de escrever.
E deste espelho, o que reflete quando alguém passa?
A alma não, não consigo crer.
Mas não precisamos enxergar para ser.
Nem sequer para conseguir ver.
Como estamos hoje? Para onde vai esta imagem ao contrário? Você ainda é capaz de reconhecer o que enxerga?
Não! Não me perdi ainda. Ou talvez estejamos todos.
Mas enquanto souber onde não quero estar terei meu norte. Mesmo que um pouco desnorteado.
Um pouco torto, com certeza, mas as retas só ficam bem na matemática.
A vida… A vida é curva, com montanhas, vales e esquinas em cada rua que, ainda insistem em tentar convencer, é reta.
A curva é minha para dobrar. A montanha é minha, para escalar. O vale é meu, para beber da água pura. A rua é minha para vagar, ainda que vago ou sem rumo.
A agressividade, mesmo que imaginária, destas palavras não fazem jus à essa frase que foi, quase e por muito pouco, carinhosa. Faltou apenas uma interrogação, em todas as palavras pronunciadas.
Agressivo na verdade é reprimir.
Não quero desprezar o afeto espontâneo-cedido. Mas a rasidade de uma afirmação tão profunda é assustadoramente cruel, quando sentimos cada palavra ecoando, em nossos próprios ouvidos.
- Você ainda nem desabrochou. — disse.
Perdão, a você que me lê. A secura destas palavras é apenas uma estiagem passageira.
É a falta que a chuva faz quando se está nesta caatinga imaginária, cheio de pensamentos sedentos.
Perdão por não ser amor-perfeito.
Mas obrigado, agradeço sim.
Agradeço por não desistir,
Por me regar mesmo assim.
Isso é tudo por hoje. É tudo que tenho a dizer, pois isso é tudo que tenho para oferecer.
Hoje.
Amanhã? Amanhã é outro dia.
Este mesmo sol nasce há quatro bilhões de anos.
Mas amanhã, eu não acordarei igual.
Amanhã, já serei uma outra pessoa.
Espero que todos sejamos.
Afinal, palavras são navalhas.
Então,
P e n s e.
Reflita…
Entende?
Quer entender?
Olhe para dentro.
Quer enfim saber?
Seguiremos este vento.
Compaixão com doses de empatia,
Para tudo o que não pode cicatrizar,
Fique sabendo, é a única profilaxia.
Os aplausos são importantes para quem escreve — eles vão de 1 a 50 — dê quantos considerar que o texto merece.