Rio

Igor Gehrke
Composição Literária
2 min readDec 22, 2020
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A dor de todos é a minha também.
O Zumbi que chorou, também choro eu.
Em um ponto remoto o sentimento flui,
Em outro sou o próprio rio que correu.

As ondas de solidão atravessam gerações.
Seres isolados, unidos por saberem que estão sozinhos. Unidos por saberem que o mesmo riso que eu não rio, alguém há de não rir. A minha tristeza, alguém já sofreu. Assim também sofro a dos que hão de sofrer.
Sinto os meus sentimentos porque estou vivo. Sinto os alheios porque os mortos vivem em minha cabeça. Ando em comunhão com a dor do mundo, pois sou mundo. Somos todos partes de uma matéria pulsante e sofredora, num ciclo eterno de partidas e descaso.
A chibatada no preto, que já cansou de ecoar, dói na minha alma. A fome do pedinte dói nos olhos quando indiferentes. Mas os tiros da madrugada já não assustam muito, me mataram vezes demais para sentir tanta dor.

Me diga solidão, como posso estar sozinho se todos somos tudo, e o tudo também sou eu?

- Não posso estar, mas posso sentir.

E sinto. Sinto em cada osso do meu corpo. Em cada parte deste labirinto que chamo de mente. Cada curva cinzenta esconde um ser que sente o pouco que não sinto. Sente ele por mim, sinto eu por ele. E assim seguimos, os dois, cheios de pesar com o peso do mundo.

Sinto eu da minha cama, ele de outro lugar.
Se choro do chuveiro, alguém da calçada.
Se acordo com sono, alguém sem acordar.
Meu grito é abafado, você grita calada.

Ecoa vida no infinito, jorrando sentimentos líquidos, feitos de átomos de sofrimento e ilusão corrente. Seguindo o rio a contrafluxo, porque insisto em sentir o que sinto. Insisto em amar, mesmo sem saber como. Persisto em acreditar, quando não existe matéria suficiente pra cobrir este buraco que se abre, vez ou outra, na superfície da minha alma.

Os aplausos são importantes para quem escreve — eles vão de 1 a 50 — dê quantos considerar que o texto merece.

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