Dessas mulheres que escrevem

Dri Kimura
Comprar as flores ela mesma
3 min readJul 10, 2017

Sobre o direito ao fracasso, a indispensabilidade da imaginação e o que acontece depois que a gente forma

Outro dia, descendo a timeline à espera de um milagre, como de costume, encontrei um discurso de formatura da J.K. Rowling. De certo seria pura hipocrisia da parte de qualquer um nascido ali no início dos anos 90 dizer que não respeita a criadora do Harry Potter. Além disso, os discursos de formatura muito bem feitos têm me pego de jeito, dado o momento oportuno. Neste caso, especificamente, acho que tudo recebeu uma relevância incontestável porque Joanne é a mulher que enriqueceu escrevendo romances infanto-juvenis e ela resolveu articular seu texto sobre dois tópicos que jovens recém-formados deveriam conhecer: o fracasso e a imaginação — eu sou suspeita a dizer.

O fracasso, porque consiste nas nossas próprias falhas; a imaginação, porque nos convida a experimentar a vida do outro — igualmente, com seus fracassos. Assim, sobre crescimento e ausência de roteiro, Virginia Woolf nos escreve sobre a independência da mulher escritora ainda nos anos 20, Saramago nos ensina a não tratar feito crianças os seres que desejamos ver crescerem como adultos, Fernando Pessoa fala das duas vidas que vivemos — a real e a imaginada — como partes constituintes de tudo que nos torna humanos, Elena Ferrante problematiza gênero sem recorrer a discursos engajados, por pura literatura mesmo… São inúmeros os caminhos que a literatura persegue enquanto nos ensina:

<<agora sou capaz de ver com clareza quem foram os meus mestres de vida, os que mais intensamente me ensinaram o duro ofício de viver, essas dezenas de personagens de romance e de teatro que neste momento vejo desfilar diante dos meus olhos>>.

  • Saramago

Quero me referir, com isso, ao contexto preenchido de medo que o destino reserva aos criados por privilégios, mas que chegam, como agora, ao momento de se perceberem precisando crescer de verdade, em face à possibilidade de fracasso e não podendo abrir mão de imaginar, exercitar empatia. Optar por simplesmente levar a vida, seguir o roteiro ou aguardar pelas coordenadas serviu até aqui, com a conclusão da graduação. Então, sinceramente, a gente cogita, quando tudo corre como deveria: e agora?, sem José, e é provável que pela primeira vez em muitos anos.

Escrever é uma forma — eu arriscaria dizer, das mais eficazes — de entender o mundo, interpretar os dias. Muito do que cogitei durante toda a faculdade foi fazer sentido ou se dar por descartado só depois deste livro. Mais especificamente sobre ler, escrever e admirar mulheres, eu poderia dizer que é bem por aí — não por este livro, mas pelo que ele é hoje, para mim — que a gente devia começar a considerar o espelho da representatividade, do imaginário e do que significa construir socialmente o cenário das individualidades que constituem o todo — é sobre o tipo de pessoa que queremos ser.

Precisamos fracassar, devemos imaginar. Do contrário de qualquer um desses caminhos, teríamos o ‘fracasso pela omissão’, a vida em estado de contínua negação. Teríamos apenas a segurança do medo e o conforto da ignorância — o grave equívoco de nunca tentarmos ser melhores do que somos. Este momento marca um dos primeiros de real incerteza e de oportunidade de crescer para valer. Disso, espero compartilhar a epifania do que tem acontecido até aqui e de tudo que eu não faço ideia que vá acontecer. É uma fase para segurar as pontas do receio e arriscar de tudo, sabendo que nesses casos o que fica é tão simplesmente: o essencial.

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