Transculturação:1

Daniele Cavalcante
c/textos
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6 min readJan 29, 2019

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  • substantivo feminino: transformação cultural que resulta do contato de duas culturas diferentes;
  • aglutinação: trans + cultura + ação

Hoje, 29 de janeiro, é Dia da Visibilidade Trans, data que celebra os esforços da população T em tornar visíveis suas pautas e necessidades nas esferas políticas, sociais, econômicas.

Por isso, hoje estreia no Comtextos a coluna Transculturação, que trará notícias referentes à população trans, destaques sobre cultura LGBT+, e outros temas relacionados. O formato é experimental, e pode evoluir para algo maior dentro do Comtextos.

Das Estrelas

Foto do trio As Bahias e a Cozinha Mineira

Na última sexta-feira (25), o trio As Bahias e a Cozinha Mineira, que conta com duas cantoras trans, lançou o clip de seu novo trabalho, intitulado “Das Estrelas”. O lançamento marca a nova fase do conjunto, que acabou de assinar contrato com a Universal Music.

Formado por Assucena Assucena (vocal), Raquel Virginia (vocal) e Rafael Acerbi (guitarra), o grupo também prepara seu terceiro álbum, apostando em uma sonoridade “mais pop e abrangente”. Também garantem, em entrevista com o Metro Jornal, que “muito em breve vamos ter algumas surpresas aí”.

Já fizemos show com a Mel [ex-vocalista da Banda Uó], com a Pabllo Vittar, já fizemos parceria com a Linn da Quebrada, na música em “Absolutas”, estivemos no disco de Liniker… Acho que as parcerias acontecem naturalmente. E os planos para 2019 são megalomaníacos.

O clip de “Das Estrelas” conta a história de uma mulher trans agredida e morta por um homem cisgênero com quem se relacionava, e é protagonizado pela atriz Renata Carvalho, da peça “O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu”.

No final, as frases “não matarás” e “amarás ao teu próximo como a ti mesmo” finalizam a mensagem do filme.

Assucena comenta que embora a música tenha “uma letra mais universal”, o clipe “direciona para essa pauta da transgeneridade”.

Antes, era muito difícil conseguir um afeto, porque as pessoas encaravam as trans dentro de uma visão de feitiche ou hipersexualização, entre quatro paredes, mas nunca para um relacionamento público, como se não fôssemos capazes de amar. E o que queremos provar nesse clipe é que somos sim capazes de amar

Confira o vídeo abaixo (alerta: contém cena de transfeminicídio).

Homenagem

Brenda Lee, militante trans brasileira, é a homenageada hoje pelo Google. A página de busca exibe um Doodle dedicado a ela, que foi pioneira na luta contra a AIDS.

Considerada o anjo da guarda das travestis, Lee completaria 71 anos em 10 de janeiro. Ela criou a Casa de Apoio Brenda Lee em 1986, no centro de São Paulo, para acolher pessoas com HIV, dar assistência médica, social, moral e material.

Pequenas vitórias

O governador de Santa Catarina Carlos Moisés da Silva (PSL) decidiu voltar atrás na decisão de vetar o projeto de lei que permitia que pessoas trans e travestis pudessem usar o nome social nos serviços públicos.

Aprovado na Assembleia Legislativa (Alesc), o projeto de lei seria barrado pelo governador, o que gerou muitas críticas e protestos. Agora, ele anunciou que assinará um decreto para regulamentar o direito.

Confira os detalhes na página do Governo de Santa Catarina.

E Se Eu Fosse PuRa

Capa do livro “E Se Eu Fosse PuRa”, de Amara Moira

Amara Moira, travesti, prostituta, doutora em crítica literária, colunista e putafeminista, relançou seu livro “E Se Eu Fosse Puta”. Ou melhor, PuRa. É assim que a reedição da obra foi batizada — com uma rasura sobre a letra T, para brincar com o conservadorismo do público que se chocou com o título original, ao ser lançado em 2016.

A autora está em uma “turnê” pelo país para o lançamento, e na segunda-feira (18) esteve em Cuiabá, onde apresentou a palestra “Visibilidade trans em tempos de incerteza”.

O livro foi lançado pela editora hoo, e teve seus quatro mil exemplares esgotados na primeira edição. Dessa vez, foram adicionados dois novos poemas. Os exemplares estão à venda por R$ 40.

Dossiê dos assassinatos e violência

Foto de Bruna Benevides

No dia 25, #DiaLaranja pelo Fim da Violência contra as Mulheres e Meninas, a ONU Brasil publicou a história de Bruna Benevides, mulher trans que criou o Dossiê dos assassinatos e violência contra travestis e transexuais no Brasil.

O Dossiê foi apresentado em 2018 na Casa da ONU, em Brasília, e agora será lançado neste Dia da Visibilidade Trans (29).

Levantamentos deste tipo são realizados por outras instituições há mais de 30 anos no Brasil, mas Bruna afirma à ONU Brasil que “ficava muito incomodada com esses dados e a maneira como eles aconteciam porque muitas vezes consistiam apenas em números, mas não se transformavam em nenhuma ação propositiva”.

Por isso, criou o Dossiê por iniciativa própria, com o objetivo de auxiliar a população trans a lutar por direitos e pelo fim da violência.

O monitoramento de 2018 será lançado durante a VI Semana Nordestina da Visibilidade Trans, que acontece em Recife, Pernambuco. O documento inclui tentativas de homicídio, assassinatos motivados por transfobia estrutural e casos não elucidados, além de outras violações de direitos humanos.

Debate sobre censura nos palcos

A peça “O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu”. Foto: Lígia Jardim/Divulgação.

Na terça-feira (15), as atrizes Sophia William e Aurora Jamelo, integrantes trans do grupo D’improvizo Gang, participaram de um debate sobre o cancelamento da peça “O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu”, que seria exibida durante o o Janeiro do Grandes Espetáculos (JGE) 2019.

A decisão de retirar o espetáculo da grade de programação do JGE foi da Associação dos Produtores de Artes Cênicas de Pernambuco (Apacepe), que em uma carta aberta alegou ter sido pressionada pela bancada evangélica.

Com a censura, alguns artistas decidiram tirar suas peças do JGE, em protesto, o que gerou alguns debates. Sophia William, que também é uma das realizadoras do Festival Transborda de Cultura sem Gênero, decidiu convocar outros artistas para um debate no dia 15. “A censura às trans começa antes de chegar ao palco”, afirmou a atriz na abertura do encontro.

A arte, por enquanto, é um dos poucos lugares onde podemos falar. Não vemos mulheres e homens trans atuando em outros setores sociais, apenas alguns privilegiados como eu têm acesso a esses lugares, fora isso resta a prostituição.

O debate também serviu para expor o hábito de convidar atores cisgêneros para interpretar personagens trans. Aurora Jamelo destacou que “colocar um ator homem para interpretar uma mulher trans é reforçar a ideia de ver o corpo trans feminino como um corpo masculino”.

Outro tema foi a forma como pessoas cis agem de forma irresponsável com pessoas trans para realizar trabalhos artísticos sobre o assunto. “Elas sugam nossas vivências, nos fazem sentir como se estivéssemos numa mesa de dissecação e depois nem sequer voltam para nos falar do resultado do trabalho”.

Confira um resumo completo sobre o debate na Revista O Grito.

Por outro lado…

O filme “Homem-Aranha: Longe de Casa” (Spider-Man: Far From Home), próximo longa do herói que estreia em dia 5 de julho, terá dois homens trans atuando no elenco.

Zach Barack, que também é cantor e comediante, interpretará um amigo de Peter Parker (Tom Holland), enquanto Tyler Luke estará no elenco de apoio como outro aluno da escola.

Os detalhes do papel de Barack são mantidos em sigilo, mas sua empresária, Ann Thomas, disse que seu papel é “significativo”.

Ann Thomas, também trans, fundou em 2015 a Transgender Talent, considerada a primeira empresa de gerenciamento de talentos transgêneros de Hollywood. Ela disse que é “incrível ver Zach e tantos outros terem uma grande oportunidade como essa”.

Quando iniciou a agência, Ann tinha sorte em receber um pedido de ator a cada três meses. Agora, a Transgender Talent está recebendo ligações para atores transgêneros e não-binários “a cada dois dias”.

“Finalmente, estamos chegando ao ponto em que os atores podem passar para o trabalho em tempo integral”, disse ela.

Leitura recomendada

  • Para conhecer um pouco mais sobre a história da transsexualidade e as nossas lutas políticas, recomendo o artigo “Notas sobre as travessias da população trans na história”, na Revista Cult.
  • Você pode acompanhar muitos outros conteúdos interessantes e atividades para celebrar o dia de hoje através da hashtag #VisibilidadeTrans no Twitter.
  • Bora apreciar talentos trans? Conheça pessoas T que produzem arte e conteúdos na internet, através da hashtag #TransCria.

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Daniele Cavalcante
c/textos

Redatora de ciência e tecnologia no Canaltech, redatora freelancer e ghostwriter.