Como a comunicação pode ser aliada do advocacy para desencarcerar mulheres?

Giulliana Bianconi
Comunicação para Advocacy
4 min readMar 28, 2016

A agenda da grande mídia não é das mais amplas. Fora das editorias convencionais (economia, política, cultura, cidade, esportes e internacional), poucos são os campos que têm atenção constante. Entre os que amargam uma enorme invisibilidade está o campo de direitos humanos.

Até que uma crise da imigração se estabeleça, é como se não houvesse milhares de refugiados tentando cruzar fronteiras em situações precárias e em constante risco. Até que uma rebelião ocorra, é como se os presídios não estivessem lotados, salvo por uma ou outra reportagem especial que vemos surgir quando um repórter tem acesso a dados alarmantes do sistema carcerário e consegue emplacar sua sugestão de pauta. Até que uma barragem estoure e soterre uma cidade inteira, é como se aquela população atingida não tivesse vivido diariamente em situação de risco e não tivesse tido direitos violados.

Se você fizer o exercício de tentar lembrar uma reportagem ótima que leu ou assistiu sobre um tema de direitos humanos, pode até dar certo. Pode conseguir listar uma ou outra. Mas o ponto é que essa reportagem não faz parte de uma agenda.

Narrativas do advocacy: uma contribuição possível aos debates

A falta de acompanhamento e de cobertura intensiva a temas “urgentes” dos direitos humanos faz com que seja ainda mais importante que projetos que colocam causas no centro e fazem advocacy planejem boas plataformas de narrativa, invistam em conteúdo de qualidade e em estratégias de comunicação. Com a internet, o alcance dessas histórias pode redefinir o nível de engajamento público e, ainda:

  • pode ajudar a tirar temas dos nichos e das redes de especialistas, fazendo com que um público mais diverso acesse as discussões.
  • pode comunicar dados e informações qualificadas, contribuindo para um debate de maior profundidade

Por isso faz todo o sentido que uma organização da sociedade civil que quer influenciar a adoção de medidas alternativas à prisão para mulheres, por exemplo, decida investir na construção de uma plataforma online multimídia que aborde a realidade das mulheres encarceradas a partir de história e números.

Desde que os dados e fatos apresentados sejam verdadeiros, haverá contribuição para o debate, como mostra a plataforma “Mulheresemprisão”, desenvolvida pelo Instituto Terra, Trabalho e Cidadania, organização que atua há quase 20 anos no Brasil com foco na erradicação da desigualdade de gênero, na garantia direitos e no combate ao encarceramento. E, se essa plataforma estiver fortemente articulada a outras iniciativas de impacto, pode contribuir verdadeiramente para mudanças de cenário a favor da causa.

Você saberia dizer quantas são as brasileiras encarceradas? Por que a maioria delas está presa? Como são tratadas nas prisões? Que tipo de violações elas sofrem? E mais: como elas poderiam cumprir por crimes cometidos sem desamparar as famílias? O ITTC apura isso constantemente com pesquisa de campo, com o acompanhamento de relatos e testemunhos, analisando relatórios diversos, políticas públicas etc.

O que a plataforma Mulheresemprisão faz é compartilhar, em uma narrativa informativa e documental, dados e conteúdo de qualidade que resultam desse trabalho do instituto. No endereço online, é possível acessar histórias, contextos e…as ações propostas pelo ITTC para mudar a realidade do encarceramento.

E esse é outro ponto: algumas iniciativas de advocacy contam com ferramentas de mobilização online que alcançam seus públicos sem que nenhum esforço maior de comunicação para a contextualização do cenário seja feito. Esse projeto é um exemplo de esforço também para explicar, com números, vozes e gráficos, o porquê é tão importante inserir o seu e-mail lá naquele campo onde há um chamado para clicar em “enviar carta às autoridades”.

O “encarceramento feminino” segue fora da agenda da grande mídia? Sim. Mas a invisibilidade do tema passa a ser menor a cada usuário que alcança o endereço online, compartilha, comenta em seus perfis em redes sociais, envia por e-mail, por whatsapp etc. E até mesmo os repórteres contam com mais uma fonte de pesquisa para explorar essa realidade que muitos desconhecem

Além disso, no momento em que outras ações forem articuladas -seja pelo ITTC ou por outra organização- com o objetivo de se pressionar o judiciário pelo desencarceramento, mais pessoas estarão informadas e terão condições de debater, opinar e se mobilizar (ou serem mobilizadas…) exatamente porque iniciativas de comunicação como essa passaram a existir.

A motivação para que o público se coloque a favor de uma determinada causa pode ser reforçada sempre, com o trabalho de sensibilização que passa por informar. E para isso: produção de conteúdo, investimento em narrativas e em uma comunicação interessante são estratégicos e, em alguns casos, até imprescindíveis.

Abaixo, um dos vídeos que integram a plataforma Mulheresemprisão

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Giulliana Bianconi
Comunicação para Advocacy

Director on Gênero e Número. >> Journalist << Colunista de gênero na Época online >>. <<Datajournalism>> www.generonumero.media