Relatos de esperança no Mario Quintana, um dos bairros com maior índice de violência em Porto Alegre

Entre sonhos e a realidade, moradores contam como é viver com as dificuldades da comunidade

Érica Sena
Comunicação Socioambiental
4 min readNov 14, 2022

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Valdemar Machado, 57, morador do bairro Mario Quintana há 35 anos, relata como é viver no local — Crédito: Vitória Laner

Por Érica Sena

Localizado na zona nordeste de Porto Alegre, Mario Quintana é um dos bairros de maior vulnerabilidade social na capital. Muito além do estereótipo de violência, reforçado pelas manchetes de jornais, o bairro protagoniza histórias de moradores cheios de sonhos, tanto quanto o restante do mapa porto-alegrense. Cada favelado é um universo em crise e a esperança é a característica em comum presente em cada um dos três personagens encontrados.

Entrando no bairro, depois da praça, onde um senhor trabalha na construção de um terreno, encontro duas histórias separadas por menos de quatro casas. Na Alameda Um, rua que se estende até um beco estreito, moram Jamila Ribeiro e Luiz Felipe.

Jamila Ribeiro, 19, é moradora do bairro há 10 anos— Crédito: Vitória Laner

Jamila Ribeiro

Ao conhecer a Jamila, minha intenção era conversar com o pai dela, confesso. Aquele senhor que passou por mim com três sacolas amarelas de supermercado e rapidamente entrou pelo portão de ferro me despertou curiosidade.

Indo em direção ao beco estreito, fim da Alameda Um, enxergo ela, que conversa comigo no portão de casa. Jamila conta que vive com os pais, irmão e sobrinhos. Tem 19 anos e mora no bairro há dez. trabalha num salão de beleza, logo atrás de casa.

Quando eu pergunto sobre seu maior sonho, Jamila responde que é difícil morar num bairro com violência. Por esse motivo, sonha em se mudar, ir para outro lugar. Com um olhar gentil no rosto, aos poucos, a menina fala sobre as dificuldades encontradas no local.

São poucas as linhas de ônibus, além disso, a tabela de horários foi reduzida durante o estouro da pandemia, o que segue mantido até então. Eu não consigo deixar de pensar que não sou capaz de resolver os problemas que afetam a vida da jovem Jamila. Não é só um relato, é um desabafo.

Luiz Felipe

Já para Luiz Felipe, o morador da casa azul, também na Alameda Um, a maior dificuldade encontrada no bairro é a falta de asfaltamento da rua. Com as fortes chuvas, o risco de inundação das casas é iminente, já que a localização das casas fica em uma parte mais funda do terreno.

Luiz vive apenas com a mãe, não tem filhos e não falou sobre o pai. Quando eu pergunto quem poderia conversar comigo para contar como é morar no local, uma senhora debruçada sobre o muro baixo logo responde – ele, que é mais jovem – Luiz ri e concorda em conversar comigo.

O rapaz de 24 anos, trabalha como motorista de aplicativo desde os 20. Ao lado de um amigo, com quem conversava antes, Luiz diz que a violência no bairro diminuiu. Atribuindo a melhoria na segurança ao governo de Eduardo Leite. Segundo ele, na gestão de José Ivo Sartori, as guerras de facções no bairro eram mais recorrentes.

Antes de ir embora, pergunto para Luiz quais são os seus sonhos. Ele fica em silêncio por alguns segundos. – Não sei te dizer agora – me devolvendo a pergunta – Como vocês acham que podem ajudar a gente? – pergunta. Desses questionamentos em que o pensamento vai longe, dá voltas por todas as vezes que fechamos os olhos para o que nos cerca e volta para o momento.

- Tu tens uma história. Quer compartilhar? – foi a resposta mais correta que encontrei para a pergunta de Luiz. O que não me impediu de ouvir uma outra história. A do senhor que trabalhava na obra de um terreno em frente à praça. Tenho receio em tentar uma conversa, mas depois de ver aquele senhor sentado no banco, fumando um cigarro… É assim que as coisas acontecem.

Valdemar Machado

Me apresento e pergunto se tudo bem ele conversar comigo sobre como é morar no bairro. Ele diz que não me ouviu. Repito o que disse na primeira vez, mas um pouco mais alto, cogitando ficar em pé, mas depois dele dizer – é que eu já sou velho – sentar no banco é a coisa certa a se fazer.

Valdemar Machado é morador do bairro há 35 anos, diz que nasceu em Roque Gonzalez, município com as águas do rio Uruguai. Se mudou para Porto Alegre aos 22, em busca de emprego. Por aqui, já ter trabalhou como cobrador de ônibus nas linhas da Lomba do Pinheiro, zona leste da cidade, e Restinga, zona sul.

Atualmente, Valdemar mora com dois de seus três filhos. Aos 57 anos, trabalha ajudando na construção da casa em um terreno que futuramente pretende pôr para alugar. Entre uma tragada no cigarro e uma pausa para respirar, ele diz que semanalmente precisa ir ao centro da cidade para fazer exames.

Não cheguei a perguntar quais seriam os sonhos de Valdemar. Antes disso, ele conta que gostaria muito de achar a paz em algum momento, em algum lugar e lembra que já poderia estar aposentado, mas devido a Reforma da Previdência, aprovada em 2019, precisa continuar trabalhando.

Eu me despeço dizendo que voltaria ao bairro e que espero encontrá-lo outra vez. Peço que se cuide e que continue indo ao hospital.

Talvez seja esse sentimento de encontrar um lugar calmo, não necessariamente no mapa, mas dentro da gente, que continue impulsionando a Jamila, o Luiz e o Valdemar.

São três histórias diferentes de pessoas que acordam, trabalham, riem, falam, questionam. Três pessoas com suas singularidades que moram na mesma comunidade e compartilham o mesmo sentimento de esperança. É assim que as coisas acontecem.

(Originalmente publicado em 2 de outubro de 2022).

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