Moradores do Mário Quintana relatam como é viver no bairro com estereótipo de violência

Durante visita realizada no começo de outubro, estudantes de Comunicação Social da UniRitter entrevistam moradores do bairro localizado na zona nordeste de Porto Alegre.

Valdemar Machado, 57, morador do bairro Mario Quintana há 35 anos, relata como é viver no local - Crédito: Vitória Laner

Por Érica Sena

Localizado na cidade de Porto Alegre, Mario Quintana é um dos bairros de maior vulnerabilidade social na capital. Muito além dos estereótipos reforçados pelas manchetes de jornais, o bairro protagoniza histórias de moradores cheios de sonhos, tanto quanto o restante do mapa porto-alegrense. Cada favelado é um universo em crise, mas ao traçar o perfil de cada um dos três personagens encontrados, a característica de destaque em comum é a esperança.

Entrando no bairro, depois da praça, bem em frente onde um senhor trabalha na construção de um terreno, encontro duas histórias separadas por menos de quatro casas. Na Alameda Um, rua que se estende até um beco estreito, moram Jamila Ribeiro e Luiz Felipe. Ao conhecer a Jamila, minha intenção era conversar com o pai dela, confesso. Aquele senhor que passou com três sacolas amarelas de supermercado e rapidamente entrou pelo portão de ferro, me despertou curiosidade. Hesitei. Receio de incomodar o morador que parecia viver sozinho.

Indo em direção ao beco estreito, fim da Alameda Um, enxergo a menina de 19 anos que facilmente poderia ser uma amiga. Ela conversa comigo no portão de casa e, daquela distância, consigo ver o senhor das três sacolas amarelas já sentado. Agora eu sei que ele não mora sozinho. A Jamila me conta que vive com os pais, irmão e sobrinhos. É moradora do bairro há 10 anos e trabalha num salão de beleza logo atrás de casa, ou logo à frente, depende da direção em que você está indo ao beco estreito.

Quando eu pergunto sobre seu maior sonho, Jamila responde que é difícil morar num bairro com estereótipo de perigo, como o Mario Quintana. Por esse motivo sonha em se mudar, ir para outro lugar. Com um olhar gentil no rosto, a menina relata as dificuldades encontradas no local. São poucas as linhas de ônibus, além disso, a tabela de horários foi reduzida durante o estouro da pandemia, seguindo assim até então.

Já para Luiz Felipe, o morador da casa azul, também localizada na Alameda Um, a maior dificuldade encontrada no bairro consiste na falta de asfaltamento da rua. Com as fortes chuvas, o risco de inundação das casas é iminente. Luiz vive apenas com a mãe, não tem filhos e não falou sobre o pai. Quando eu pergunto quem poderia conversar comigo a respeito de como é morar no local, a senhora debruçada sobre o muro baixo logo responde: “ele que é mais jovem.” ele ri, concordando em conversar comigo.

O rapaz de 24 anos, conta que trabalha como motorista de aplicativo há pelo menos quatro anos. Ao lado de um amigo, com quem conversava antes de eu me aproximar, Luiz relata que a violência no bairro diminuiu. Atribuindo a melhoria na segurança ao governo de Eduardo Leite, pois segundo ele, na gestão de José Ivo Sartori, as guerras de facções no bairro eram mais recorrentes.

Antes de ir embora, pergunto para Luiz quais são seus sonhos, sendo morador do bairro. Ele fica em silêncio por alguns segundos. “Não sei te dizer agora.” me devolvendo a pergunta: “Como vocês acham que podem ajudar a gente?”

“Tu tens uma história. Quer compartilhar?” foi a resposta mais correta que encontrei para a pergunta de Luiz. O que não me impediu de ouvir uma outra história. A do senhor que trabalhava na obra de um terreno em frente à praça. Mais uma vez hesito tentar uma conversa, mas depois de ver aquele senhor sentado no banco, fumando um cigarro… É assim que as coisas acontecem.

Me apresento e pergunto se tudo bem ele conversar comigo sobre como é morar no bairro Mario Quintana. Ele diz que não me ouviu. Repito o que disse na primeira vez, um pouco mais alto, cogitando ficar em pé, mas depois da frase “é que eu já sou velho.” sentar no banco, perto dele, é a melhor coisa a se fazer. Valdemar Machado é morador do bairro há 35 anos. Ele conta que nasceu em Roque Gonzalez, município com as águas do rio Uruguai. Se mudou para Porto Alegre aos 22, buscando emprego. Valdemar relata já ter trabalhado como cobrador de ônibus nas linhas da Lomba do Pinheiro, zona leste da cidade, e Restinga, zona sul.

Atualmente, ele mora com dois de seus três filhos. Aos 57 anos, Valdemar trabalha ajudando na construção da casa em um terreno que futuramente pretende pôr para alugar. Entre uma tragada no cigarro e uma pausa para respirar, ele me conta que semanalmente precisa ir ao centro da cidade para fazer exames por causa de sua saúde, já debilitada. Ele confessa ser cansativo. Não só pela idade, não só pelo transporte público lotado e com poucos horários.

Não cheguei a perguntar quais seriam os sonhos de Seu Valdemar. Antes disso ele me conta que gostaria muito de achar a paz em algum momento, em algum lugar. Valdemar lembra que já poderia estar aposentado, mas devido a Reforma da Previdência, aprovada em 2019, precisa continuar trabalhando. Eu me despeço dele dizendo que voltaria ao bairro e que espero encontrá-lo outra vez. Peço que ele se cuide e que continue indo ao hospital fazer seus exames.

E talvez seja esse sentimento de encontrar um lugar calmo, não necessariamente no mapa, mas também dentro da gente, que continue impulsionando a Jamila, o Luiz e o Valdemar. São três histórias diferentes de pessoas que acordam, trabalham, riem, falam, questionam. Três pessoas, com suas singularidades que moram na mesma comunidade e compartilham o mesmo sentimento de esperança. E é assim que as coisas acontecem.

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