A Desconstrução de Vieses Inconscientes na Publicidade e o Uso Indevido de Causas Sociais/ Ambientais

Oficina
comunicacaoinclusiva
5 min readJun 24, 2021

Bruno Jabur Corradi / Orientadora: Profª. Drª. Mirtes de Moraes Correa

RESUMO

Foi a partir dos anos 90 que as empresas entenderam a necessidade de representar seu público alvo em suas campanhas publicitárias. Colocar seu consumidor ideal no centro das atenções, vivendo uma vida perfeita e utilizando o produto da maneira correta, gerava no imaginário dos telespectadores a sensação de familiaridade, pertencimento e a idealização de que aquele produto causaria o mesmo efeito em suas vidas. A construção desses vieses inconscientes ao longo dos anos concretizou a forma como enxergamos diferentes corpos, pessoas e grupos, porém as mudanças nas relações entre consumidor e empresa foram desconstruindo essas imagens construídas em nosso imaginário e logo, as empresas tiveram que reinventar suas comunicações.

Palavras-chave:

Vieses Inconscientes — Consumidor — Empresa — Causas Sociais/ Ambientais — Redes sociais — Marketing — Feminismo

Fonte: Freepik

Introdução

Foi a partir dos anos 90 que as empresas entenderam a necessidade de representar seu público alvo em suas campanhas publicitárias. Colocar seu consumidor ideal no centro das atenções, vivendo uma vida perfeita e utilizando o produto da maneira correta, gerava no imaginário dos telespectadores a sensação de familiaridade, pertencimento e a idealização de que aquele produto causaria o mesmo efeito em suas vidas.

Porém, o que estava de fato ocorrendo é que por trás dessas imagens de pessoas ideais, consumindo o produto em momentos ideais, estava também sendo construindo a identidade do público que a empresa idealizava e buscava se relacionar, muitas vezes baseada em julgamentos equivocados e até preconceituosos. Diversos segmentos da sociedade não se encaixavam nessas comunicações ou eram representados de maneira completamente irreal, porém, a construção desse modelo ideal da realidade os afetava diretamente, tanto em suas relações pessoais quanto profissionais.

Desde então, tais campanhas, a fim de incentivar o consumo em uma concorrência desenfreada, vem construindo uma cultura que nos impulsiona a comprar para TER e consequentemente SER aquilo que é idealizado em suas ações publicitárias, pois buscamos constantemente esse desejo de pertencer aquilo que é representado e que faz parte dos nossos círculos sociais.

Com o passar dos anos a conexão, proporcionada pela internet e intensificada pelas redes sociais, foi alterando as relações entre empresa/ consumidor, que logo deixaram de ser ouvintes passivos e passaram a comentar e opinar frequentemente nas atitudes das empresas, expondo seu relacionamento com a marca/produto, suas histórias e experiências para demais consumidores interessados no que a empresa tinha a oferecer e como ela se posicionava.

Essas conexões e compartilhamentos em massa se tornaram um ponto de convergência que foi além da relação empresa/ consumidor e partiram para pontos mais complexos existentes em nossa sociedade. Dessa forma, pautas sociais e ambientais começaram a ganhar força e as redes sociais se tornaram um espaço onde diversos indivíduos ou movimentos puderam expor suas realidades e atingir um número grande de pessoas com suas experiências vividas. Tais debates foram aprimorando o olhar crítico das pessoas que logo passaram a entender e identificar os padrões estruturais presentes em nossa sociedade e que isso além de fazer parte do campo político, estava também presente em nossas relações de consumo e a forma como eram retratados na mídia.

Consumir se torna um ato político e surge assim o Consumidor 3.0, como foi definido por Valéria Brandini em seu artigo “O Consumo de Causas Sociais na Era da Midiatização Digital”, mais humanizado, munido de informações e com forte vontade de opinar sobre temas diversos, está atento não somente a comunicação da empresa, mas sim a todo seu ciclo de produção, seu histórico e suas ações, identificando e compartilhando rapidamente atitudes que empresas vêm tomando frente a acontecimentos complexos em nossa sociedade atual. Esse olhar crítico passa a promover mudanças não somente nas relações empresa-consumidor, mas também nas estruturas e no DNA das empresas, que passam a se moldar de acordo com o comportamento estabelecido nas redes, a fim de evitar possíveis cancelamentos por parte de seus consumidores. Assim, causas sociais/ ambientais se tornaram o grande ponto a ser discutido pelas empresas e também pelos seus setores de Marketing e Comunicação.

Apenas um exemplo de tantos movimentos legítimos que vem lutando pelos seus direitos, optei por evidenciar aqui a força como movimentos Feministas vêm fortemente lutando e influenciado essas campanhas e a forma como mulheres vêm sendo tratadas, não somente nas campanhas, mas nas relações de trabalho também. Essas relações ainda estão longe do ideal, ainda mais para mulheres pretas e periféricas, porém essa luta tem ganhado uma voz cada vez mais difícil de silenciar e que tem ecoado fortemente no universo publicitário, que tem posicionado mulheres como personagens principais, independentes e confiantes, não apenas como um objeto de desejo ou dentro de um padrão inalcançável.

Para além da imagem e da forma como as mulheres são representadas na mídia, outro ponto que chamou bastante atenção foi sobre a sua voz. Num mundo de assistentes virtuais, presentes tanto em nossos celulares quanto em serviços de banco ou GPS, notamos que boa parte dessas vozes são femininas e, muitas vezes, até seus nomes são de mulheres. Segundo a Unesco, essa prática “reflete, reforça e dissemina o preconceito de gênero” e para os especialistas em marketing, a maioria das assistentes são femininas porque, no imaginário popular, a voz e a figura da mulher são dóceis, subservientes, sempre disponíveis e prontas para ajudar, dando essa percepção de acolhimento.

Foi assim, que o segundo maior banco do país, o Bradesco, entrou para um esforço global, liderado pela Unesco chamado de “Hey Update My Voice” — Ei, atualize a minha voz, em inglês — com o objetivo de trazer respostas mais sérias e assertivas para sua assistente virtual, a BIA, que, segundo o banco, desde o ano passado recebeu cerca de 95 mil mensagens relacionadas a assédio ou preconceito de gênero. Parte dessa campanha também traz luz aos assédios virtuais que mulheres reais sofrem na internet, que segundo a Unesco, chega até 73% o número de mulheres que sofreram algum tipo de assédio online no mundo.

A campanha colheu bons resultados e foi amplamente divulgada nas redes sociais, porém outro ponto que chamou mais atenção foi que uma série de funcionárias, tanto do Bradesco quanto de outros bancos, apontaram a forma como a empresa teria se aproveitado da causa para ganhar audiência, pois o banco toma poucas atitudes e iniciativas para combater o assédio de clientes dentro de suas agências com suas funcionárias humanas.

O que leva a questionar a forma como inúmeras empresas vêm criando dinâmicas e se aproveitando de causas sociais/ ambientais para desenvolver belos discursos e campanhas que apelam aos sentimentos do público, mas que de fato não mudam em nada a estrutura da empresa e a forma como ela lida com o ambiente e sociedade em que está inserida.

Ou seja, vemos muitas campanhas tomando forma e discursos pró sustentabilidade, pró LGBTQIA+, pró diversidade ou pró pessoas negras/ não brancas, mas que de fato não causam impactos positivos para sociedade ou para os movimentos sociais/ ambientais, apenas para as empresas que buscam a todo custo manter seus consumidores fiéis.

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Esse projeto integrador tem como proposta repensar os estereótipos que aprisionam a diversidade da sociedade