Análise da Campanha “Old Lives Matter”

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7 min readAug 27, 2021

Por: Beatriz de Castro Silva e Izabela Guirado Ferrari / Profª. Drª. Mirtes de Moraes Correa

CORPOS DISSIDENTES: IDOSOS E O IDADISMO

A discriminação mais difundida na sociedade contemporânea é a única que não é punida por lei: o preconceito contra pessoas de idades avançadas e idosos.

Muitas pessoas não têm consciência dos estereótipos que possuem sobre os mais velhos e toda discriminação existente. São inúmeros os anúncios de cremes antirrugas que estigmatizam o envelhecimento como algo danoso, prejudicial e semelhante a uma doença. Os diversos julgamentos de que idosos possuem inaptidão com as novas tecnologias e o adjetivamento do coletivo como “sábios” ou “ranzinzas” são outros exemplos de estereótipos. Até mesmo a palavra “aposentado’’, que em seu significado primário é aquele que agora está em seu aposento (Oxford Languages, 2021) determina uma rejeição e exclusão imediata da sociedade.

Toda esta discriminação recebe o nome de ageismo ou idadismo, e desde 1969 se refere à segregação sofrida por uma pessoa devido à sua idade avançada. Em 2016 a Organização Mundial da Saúde (OMS) apontou que o preconceito de idade, em nível mundial, era um dos maiores problemas em termos de discriminação. Já um estudo realizado também realizado pela OMS mostrou que pessoas expostas ao comportamento negativo do idadismo vivem em média 7,5 anos menos que os outros, e com a pandemia originada pelo COVID-19 isto ficou ainda mais claro: foram as pessoas com 65 ou mais anos que contribuíram para as altas taxas de mortalidade em países como França e em Portugal (92%), Suécia (90%) e Reino Unido (89%). Serviços de urgência hospitalar se recusaram a receber alguns idosos em plena pandemia “porque não havia vagas” e muitos negacionistas da calamidade mundial usavam a justificativa de que “por serem velhos, suas mortes não impactariam a sociedade”.

O ageismo ou idadismo que exclui os idosos da vida ativa da sociedade é uma tragédia inaceitável e contrária à dignidade humana, pensando nisto e a fim de combater este mal a campanha mundial “Old Lives Matter” (2020), em tradução livre “Vidas Velhas Importam”, foi criada.

A CAMPANHA “OLD LIVES MATTER” — 2020

A campanha “Old Lives Matter” criada pela Sociedade Francesa de Geriatria e Gerontologia (SFGG), com o apoio da European Geriatric Medicine Society (EuGMS) e de outras 42 sociedades e instituições científicas, traz por meio de 3 vídeos criados por Jean-Paul Lilienfeld e disponíveis em vários idiomas, a campanha “#OldLivesMatter” que mostra à sociedade frases diferentes do ambiente cotidiano que discriminam os idosos. Os vídeos representam três casos de idadismo, num tom humorístico e incomum, e pretendem mostrar como o preconceito de idade é uma discriminação tão frequente que nem sequer a vemos.

Figura 1: Imagem representativa da campanha “Old Lives Matter”.

A Sociedade Francesa de Geriatria e Gerontologia (SFGG) é uma associação civil da França, sem fins lucrativos, que tem como objetivo principal congregar médicos e outros profissionais que se interessem pela Geriatria e Gerontologia — áreas focadas em pessoas com idade avançada e idosos — estimulando e apoiando o desenvolvimento e a divulgação do conhecimento científico na área do envelhecimento. Além da SFGG, a campanha “Old Lives Matter” contou com o apoio da European Geriatric Medicine Society (EuGMS), um grupo de geriatras criado para promover o conceito de uma sociedade cujo objetivo seria desenvolver a medicina geriátrica em todos os países da União Europeia e incentivar a prestação de serviços médicos geriátricos a todos os cidadãos mais idosos da UE.

A iniciativa nasceu justamente por ocasião do 20º aniversário do artigo 25º da Carta dos Direitos Fundamentais dos Idosos da União Europeia, que reconhece oficialmente “o direito das pessoas idosas a uma existência condigna e independente e a participar na vida social e cultural”, e foi perfeita para uma campanha em busca de um maior respeito pelas pessoas mais velhas.

Vale ressaltar que a Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG) também foi um dos grandes apoiadores da campanha, que infelizmente não teve grande repercussão ou aderência da população. A análise mais profunda vista a seguir pode justificar esse advento.

ANÁLISE: IDADISMO, BLACK LIVES MATTER E A CAMPANHA “OLD LIVES MATTER” — 2020

Através de uma análise foi possível identificar que a campanha “Old Lives Matters”, criada para conscientizar a sociedade sobre o ageismo — a forma de discriminação mais comum e universal contra pessoas com idade avançada que não possui legislação punitiva — foi baseada no movimento “Black Lives Matters” que segundo Neal Caren, professor de Sociologia da Universidade da Carolina do Norte e especialista em movimentos sociais contemporâneos nos EUA, é o movimento de protesto mais amplo da história dos Estados Unidos — em intensidade e em alcance geográfico.

O Black Lives Matter, é uma organização que nasceu em 2013 e hoje é uma fundação global cuja missão é erradicar a supremacia branca e construir poder local para intervir na violência infligida às comunidades negras pelo Estado e pela polícia. O movimento se potencializou em 2020, após a morte de George Floyd, homem negro norte-americano por negligência e preconceito policial. A morte de Floyd explodiu uma onda de protestos nos EUA, apoiada por pessoas em todo o mundo, e a frase ‘Black Lives Matter’ (em tradução livre, “Vidas Negras Importam”) foi vista constantemente durante as manifestações.

Figura 2: Publicação do perfil “Black Lives Matter” no Twitter

A força deste movimento deu início a uma onda de campanhas contra discriminações e com o idadismo isso não foi diferente. A campanha criada em 2020 conta com três filmes publicitários que mostram situações na vida cotidiana em que o preconceito de idade assume uma forma comum e quase imperceptível, e escancaram que em uma sociedade onde o racismo, o sexismo e a homofobia são tema de debate constante, o ageismo é tão profundo que está normalizado.

No primeiro vídeo da série “Ainda temos o direito de ser velhos?’’, é possível ver escancaradamente um caso de misógina que é criticado pela personagem feminina presente no filme. Em formato de diálogo, um rapaz conta a personagem que realizou entrevistas de emprego com dois candidatos, um homem e uma mulher, e mesmo que a candidata (mulher) tenha se saído muito melhor e seja mais preparada, ele sente confiança em contratar o canditato (homem) apenas por ser do sexo masculino. A personagem então, se indigna e o questiona sobre o que acabará de ouvir, e é neste momento que ocorre uma clara situação de idadismo, pois o rapaz corrige a fala e diz que o motivo é pelo fato da candidata ser “[..] velha, tem 53 anos.” Diferentemente da misoginia e seximo presentes, a discriminação com pessoas com idade avançada foi aceita naturalmente e não causou estranheza.

Figura 3: Print do Vídeo “Old Lives MatterAinda temos o direito de ser velhos?”

Acesso: #OldLivesMatter: Uma campanha global contra o preconceito de idade

O segundo vídeo “Um dia, se tudo correr bem, você chegará a ser velho” segue a mesma linha do primeiro, porém a homofobia é a discriminação polemizada — e não aceita, como no anterior -, enquanto o idadismo mais uma vez segue sendo normalizado e incorporado ao dia a dia. Na mesma linha dos anteriores, o terceiro e último “Prepare o seu futuro: lute contra a discriminação pela idade”, reforça o ideal da campanha que a glamourização da velhice e a guetização das idades, é uma discriminação tão frequente que não é percebida. Como tema sensível o filme traz o racismo instaurado em uma conversa entre dois rapazes — um branco e um negro — onde o homem branco relata que o um colega de trabalho não tem capacidade para aprender a manusear um software por ser negro. O outro homem (negro) questiona o que foi dito, e então o idadismo entre em cena com a frase “Ah, desculpa-me, eu quis dizer os velhos”.

Figura 4: Print do Vídeo “Old Lives MatterPrepare o seu futuro: lute contra a discriminação pela idade”

Acesso: #OldLivesMatter: Uma campanha global contra o preconceito de idade

Com os 3 vídeos apresentados anteriormente é claro entender a mensagem da campanha: a discriminação com pessoas de idades avançadas e incorporação dos estereótipos na sociedade contemporânea. Além desse alerta sobre o idadismo e mudança de comportamento para com os idosas, “Old Lives Matter” consegue tratar em segundo plano de outros temas importantes como sexismo, homofobia e racismo de forma descontraída, que devem sempre ser discutidos e relembrados.

Como reflexão final sobre a campanha “Old Lives Matter” podemos destacar que é essencial quebrar esse preconceito porque diferente de outras discriminações específicas originadas por sexo ou raça, por exemplo, um dia todos serão idosos.

REFERÊNCIAS

GUIMÓN, PABLO. Black Lives Matter, o rumo incerto do grande movimento antirracista. EL País. 2020. Disponível em: https://brasil.elpais.com/internacional/2020-09-07/black-lives-matter-o-rumo-incerto-do-grande-movimento-antirracista.html . Acesso em: 16 mai. 2021.

MACHADO, M. CHRISTIANE. Estereótipos e novos retratos do envelhecimento na publicidade: marcas brasileiras e o desafio de criar identificação com o público da terceira idade. Disponível em: https://bdigital.ufp.pt/bitstream/10284/9080/1/TD_36174.pdf. Acesso em: 16 mai. 2021.

SANTANA, Crisley. Você sabe o que é ageísmo? Campanha debate preconceito por idade. Jornal da USP. 2019. Disponível em: https://jornal.usp.br/universidade/acoes-para-comunidade/voce-sabe-o-que-e-ageismo-campanha-debate-preconceito-por-idade/ . Acesso em: 16 mai. 2021.

Sobre a SBGG. Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia. Disponível em: https://sbgg.org.br/sbgg/sobre-a-sbgg/. Acesso em: 16 mai. 2021.

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Esse projeto integrador tem como proposta repensar os estereótipos que aprisionam a diversidade da sociedade