Análise da representação de gênero na campanha “Diz com Deezer”

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comunicacaoinclusiva
7 min readAug 27, 2021

Isabella Marin Manzalli / Orientadora: Profª Drª Mirtes de Moraes

Fonte: Pixabay

RESUMO

O presente paper tem por finalidade analisar o posicionamento dos produtos midiáticos perante as questões de gênero com base nos estudos apresentados no Projeto Integrador — Por uma forma de comunicação mais inclusiva. Como forma de aplicar esta visão crítica adquirida no decorrer do projeto, focamos o olhar na ação proposta pela campanha “Diz com Deezer” veiculada em março de 2021 no Brasil.

Palavras-chave: gênero; masculinidade; publicidade; estereótipo; campanha publicitária; crítica midiática.

Introdução

No contexto tecnológico no qual estamos inseridos houve um avanço da necessidade requerida pelo público que marcas e veículos midiáticos se posicionem frente às questões inclusivas e de representatividade.

Para o desenvolvimento deste artigo, focaremos o olhar para as questões de gênero e a busca do público por representações compatíveis com a realidade das mulheres nas campanhas publicitárias veiculadas nos grandes meios midiáticos, distanciando cada vez mais os estereótipos e os comportamentos antiquados impostos sobre estas.

Portanto, analisaremos a campanha “Diz com Deezer” que já incorpora estes valores na ação publicitária, reforçando a liberdade feminina e posicionando seu produto como forma de resposta aos ideais machistas enraizados na sociedade brasileira.

Produto Midiático

Em março de 2021 a Deezer, plataforma de streaming de áudio, aproveitou o mês do Dia Internacional da Mulher e lançou a campanha “Diz com Deezer”, na qual retrata conversas, questionamentos e situações do dia a dia sendo respondidas por meio das músicas presentes na plataforma.

O objetivo da campanha é mostrar ao usuário que a música é uma forma de expressão, permitindo o posicionamento de forma bem-humorada, leve e que traga reflexão, como informado por Adriano Abdalla, ECD da VMLY&R.

“Vivemos uma época, infelizmente, cheia de maus exemplos, fake news e comportamentos questionáveis, tudo potencializado pela velocidade das redes sociais. Nesse cenário quase sufocante, mais do que simples propaganda, a nova campanha de Deezer é um debate necessário, apoiado e suavizado pelo clima que só a música pode trazer. Dá o play”.

Com a produção de 2 vídeos de 30 segundos, a “Diz com Deezer” apresenta duas situações comuns na vida das mulheres, a clássica pergunta da Titia sobre os namoradinhos, sendo respondida com a música Bandida, de Pabllo Vittar e Pocah, e a falta de colaboração dos homens nas atividades doméstica, com a música Folgado de Marília Mendonça.

Ambos os filmes foram veiculados em grandes canais de televisão e redes sociais (ex. anúncios no YouTube; gifs musicais, que poderão ser compartilhados no WhatsApp; ações com influenciadores e artistas), ao mesmo tempo que trazem reflexões também estão divulgando seu serviço e posicionando a empresa em assuntos enraizados da sociedade brasileira que já poderiam ser questões do passado.

Figura 1

Diz com Deezer | Titiahttps://www.youtube.com/watch?v=pRTB9hnwwN8

Figura 2

Diz com Deezer | Folgadohttps://www.youtube.com/watch?v=rTZWZU15wMo

Análise Crítica

Para fins de realizar a análise crítica, irei focar o olhar para o filme 1 intitulado de “Titia”, que apresenta a pergunta infame sobre “os namoradinhos”. Esta simples pergunta, que já é considerada a pergunta clássica de tia e com teor cômico, traz um machismo e expectativa com o comportamento feminino muito enraizados em nossa sociedade.

Com o passar dos anos a sociedade foi se modificando e junto a ela, temos as alterações de estereótipos em diversos âmbitos do dia a dia de todos nós. E com o entendimento e construção dos gêneros não seria diferente. Segundo Joan Scott,

“Gênero se refere à construção de atitudes, expectativas e comportamentos tendo por base o que a sociedade atribui como apropriado para o sexo feminino e masculino. Aprendemos a ser homens e mulheres pela ação da família, da escola, do grupo de amigos, das instituições religiosas, do espaço de trabalho, dos meios de comunicação.” (SCOTT,1995)

Ou seja, sempre haverá uma conduta a ser cumprida dentro do que se considera certo para cada gênero, ressaltando as diferenças criadas entre eles, e também direcionando o olhar estreito para apenas um âmbito social, uma questão, uma classe, etc. deixando as demais pessoas, alheias a estes referenciais, em desfoque ou excluídas.

No caso apresentado, temos a representação de um valor do passado, ilustrado pela personagem da Titia, mas que ainda é carregado e se faz presente no momento atual. Onde associa a mulher com a necessidade de estar em um relacionamento, descartando a possibilidade e liberdade de ser solteira, e ao empregar o termo no masculino — “os namoradinhos” — também afasta a existência de uma relação fora do padrão heteronormativo.

Além disso, também reflete o estereótipo de namoro e casamento como prioridade na vida de uma mulher, pois é o único assunto proposto pela personagem Titia. Expondo o ponto de machismo e dependência que o gênero feminino tem em relação ao masculino, comparando os gêneros e supervalorizando um deles.

Este ponto é muito bem respondido pela campanha ao empregar a música “Bandida” de Pabllo Vittar e Pocah, que diz “Tá querendo me amarrar, tá querendo me prender, eu só quero bagunçar, vem que eu tô solteira […] Hoje eu tô solteira, Hoje eu tô que tô”. Trazendo um grito e expressão de liberdade, poder e autoconfiança, em poder decidir com quem se relaciona, quando, onde e decidir se quer ou não falar sobre o assunto.

Ao dar voz a esta jovem, por meio da campanha e da música, também estão veiculando nas mídias mais influentes da atualidade (TV e Redes Sociais) e expondo a resposta que muitas outras mulheres gostariam de dizer, mas pelas circunstâncias sociais e familiares, acabam reagindo de forma irônica e cômica — o famoso sorriso amarelo — ou até mesmo deixando de reagir.

E estas mulheres que deixam de reagir a situações de machismo e pressão comportamental, acabam com frustrações e um nível severo de autocobrança. Isto é muito justificado por não se verem suas realidades sendo representadas na comunicação e debatidas nos meios midiáticos, acarretando a incompreensão de seus familiares, colegas e demais personalidades que integram os grupos sociais.

Conforme mencionado anteriormente, temos a comparação entre os gêneros e as expectativas que a sociedade impõe sobre cada. Se por um lado temos o ideal de namoro e relacionamento para o gênero feminino, por outro lado temos a compreensão e empatia com o homem solteiro e que não se imagina como parte de um relacionamento sério, sendo apontado pela sociedade como imaturidade.

De forma simultânea e contraditória a estas expectativas da sociedade, temos o emprego do conceito de “Igualdade” sendo muito debatido e exigido há anos. Exemplo desta pauta é a própria Constituição Federal, que rege toda a sociedade brasileira ao dizer em seu Art. 5°.

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

I — homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição; […]”.(CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL,1988)

Para fins de reforçar a tentativa de igualdade entre os gêneros, temos o trecho do livro de Joan Scott “Gênero, uma categoria útil de análise histórica” que nos informa sobre o emprego do termo “gênero” tanto para homens quanto para mulheres.

“O termo ‘gênero’, além de um substituto para o termo mulheres, é também utilizado para sugerir que qualquer informação sobre as mulheres é necessariamente informação sobre os homens, que um implica no estudo do outro.” (JOAN SCOTT, p.75)

Apesar das fundamentações teóricas, é de conhecimento geral da sociedade que não há — em prática — uma relação igualitária, afinal ao longo de tantas décadas havendo diversas discrepâncias entre os gêneros masculino e feminino, é impossível dar condições iguais para ambos nos dias atuais. Mas o que se faz possível para encurtar essas diferenças é propor equidade entre eles, dando condições diferentes e necessárias, para que tanto o gênero masculino quanto o gênero feminino possam exercer suas funções e viver na sociedade de forma igual.

Para atingir essas condições, os meios de comunicação exercem enorme papel ao transmitir e expor essas questões, dando visibilidade às realidade vividas pelas mulheres e nas demais questões que necessitam inclusão.

Referências

B9 — Deezer lança campanha incentivando pessoas a se expressarem através da música. Disponível em <https://www.b9.com.br/140473/deezer-campanha-pessoas-se-expressarem-musica/> Acessado em: 16/05/2021

ADNews — Diz com Deezer: campanha incentiva as pessoas a se expressarem através da música. Disponível em <https://adnews.com.br/diz-com-deezer-campanha-incentiva-as-pessoas-a-se-expressarem-atraves-da-musica/> Acessado em: 16/05/2021

Deezer — Se te faltam palavras, “Diz com Deezer”. Disponível em <http://www.deezer-blog.com/br/2021/03/15/se-te-faltam-palavras-diz-com-deezer/> Acessado em: 16/05/2021

Planalto.Gov — Constituição Federal. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm> Acessado em: 16/05/2021

YouTube — Pabllo Vittar — Bandida Feat Pocah (Official Music Video). Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=e0-SDQYTFkQ> Acessado em: 16/05/2021

YouTube — Diz com Deezer | Folgado. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=rTZWZU15wMo> Acessado em: 16/05/021

YouTube — Diz com Deezer | Titia. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=pRTB9hnwwN8> Acessado em:16/05/2021

SCOTT, Joan — Género, uma categoria útil de análise histórica.

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Esse projeto integrador tem como proposta repensar os estereótipos que aprisionam a diversidade da sociedade