Análise de peça publicitária “Brastemp Compartilhada”
Por: Lucas da Silva White Peres / Orientadora: Profª Mirtes de Moraes
Introdução
A grande marca de eletrodomésticos Brastemp, veiculou em meio televisivo e digital uma peça publicitária, produzida em parceria com a ONG Feminista, Think Olga, que traz de modo irônico e muito inteligente uma crítica ao desequilíbrio das divisões das tarefas domésticas nos lares brasileiros. Intitulada como “Brastemp compartilhada”, a marca busca desconstruir o estereótipo a respeito da grande carga de cuidados do lar atribuído às mulheres, segundo a pesquisa do IBGE, “Outras formas de trabalho” (2019), as mulheres dedicam o dobro do tempo dos homens em atividades domésticas, um dado que permanece igual há 20 anos. Neste paper serão analisados os elementos presentes na peça, tal como a mensagem que a mesma procura passar aos espectadores.
Análise da peça
A peça inicia apresentando a frase “nova lavadora Brastemp compartilhada”, que a primeira instância pode ser remetido ao lançamento de um novo produto, ainda mais porque é mostrado uma lavadora em ângulos que enfatizam seu design e botões. Em seguida uma mulher aparece em um telão aparentemente de LED, dizendo que a nova lavadora possui uma nova tecnologia que permite que qualquer um lave as roupas apertando apenas um botão, encerrando sua frase em entonação irônica com a fala “não é incrível?”. Neste momento a peça pareia sobre um tom de dúvida e consegue despertar a curiosidade ao expectador, pois sabe-se que as máquinas de lavar facilitam demais o processo de limpeza das roupas e são muitos práticas, porém para muitos, graças aos estereótipos presentes na atualidade, essa função é possível e viável apenas para as mulheres.
Adiante, na peça, outros relatos começam a surgir ao mesmo ritmo das imagens da lavadora, uma alusão a uma típica peça de divulgação de um produto tecnológico, mas que no fundo traz nada mais, nada menos do que o caráter informativo, com muita abundância e relevância. O próximo relato vem logo após a frase: “exclusivo ciclo divisão de tarefas domésticas”, o que causa uma certa estranheza para quem ainda não havia captado a essência da peça, pois seria uma função um tanto quanto bizarra para um eletrodoméstico, mas em alusão e referência ao desequilíbrio da divisão das tarefas domésticas, é o que infelizmente acontece em muitos lares, a mulher que aparece desta vez, é uma mãe ao lado de seu filho e traz consigo a seguinte fala: “é tão fácil que até meu filho conseguiu, sem eu ter que explicar, é só selecionar o programa e já foi”, mais uma vez em forma de sarcasmo a peça prossegue com sua linha de raciocínio que aos poucos vai ganhando rigidez, desta vez mostrando que o desequilíbrio não se aplica apenas para casais, mas sim de uma forma geral.
A próxima frase a aparecer é a que marca a exata metade da peça, “tecnologia “inovadora” disponível há 60 anos”, essa oração paradoxal, serve como reflexão para o público entender e avaliar a própria trajetória social, a ação de lavar a roupa ou qualquer outra atividade doméstica não tem alguma coerência ou fundamento para classificá-las como exclusivamente tarefas femininas, a marca procura chamar a atenção com essa frase de maneira muito inteligente, questionando que o simples comando de lavar roupas, mesmo que automaticamente, está disponível há 60 anos. A partir desse momento na peça, começam a ser desconstruídos os padrões impostos pela sociedade, a mulher que aparece ao lado de seu marido, cita que a função da máquina pode ser usada por homem, mulher, criança, adolescentes, pais, irmão, tudo isso enquanto a transição é feita com imagens da lavadora, que a princípio tinha-se impressão de que era o foco da peça.
A essa altura da peça, tudo parece fazer mais sentido, a frase “painel diferenciado: funciona com todos”, indica que o produto não seleciona cliente, qualquer um pode lavar roupas, o produto não é submisso apenas a mulheres. O próximo relato no telão é dessa vez de um homem, jovem, que diz: “eu parei de acreditar que as minhas roupas se lavavam sozinhas e apareciam dobradas no meu armário”, enquanto ao fundo o que se aparentam ser sua mãe e sua irmã, balançam a cabeça como sinal de negação e decepção com o mesmo, assim interpreta-se, que esse relato, mesmo que fictício, representa inúmeras famílias que não equilibram as tarefas domésticas. Esse último relato em telão da peça é acompanhado pela trilha sonora que desde o começo desperta a curiosidade e ao fim do depoimento do jovem, há uma pausa, seguida do dado do IBGE: “mulheres dedicam 2x mais tempo ao trabalho doméstico do que os homens.” Acompanhada da pergunta em tipografia negrita em destaque, “até quando?” Em fundo preto como sinal de atenção e respeito. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada do IBGE, no Brasil o tempo médio semanal que as mulheres dedicam, exclusivamente, aos afazeres domésticos é de 21,4 horas. Número que assusta e alerta a população sobre essas indiferenças, pensando ainda que essas atividades primeiramente, nem deviam ser divididas, mas sim compartilhadas, como a marca Brastemp felizmente orienta em sua campanha com a tecnologia fictícia genial.
Ao retomar a trilha sonora junto a imagem da lavadora cercada pelos telões que forneceram os depoimentos, a grande frase de efeito “tarefa doméstica é tarefa de todos”, surge na propaganda e encerra com maestria todo o mistério e curiosidade que foram ativados durante a peça, a marca que preza pela igualdade na divisão das tarefas domésticas consegue passar sua mensagem de conscientização e desconstrução dos estereótipos de forma muito agradável e compreensível para todos os públicos. Ainda analisando a peça como um todo é possível perceber a presença de uma paleta cromática pouco variada, porém muito adequada para ambientalizar o expectador, em tons pouco saturados, preto, branco e cinza, a Brastemp consegue passar toda o seu ideal de tecnologia, tradicionalismo e competência, a cor laranja, a única de contraste maior aparece como identidade visual da empresa que remete à criatividade, entusiasmo e encorajamento. Ao “apagar das luzes” do comercial a frase final “Lavadoras Brastemp. Sem dúvidas. Para todos.” Dignifica e conclui com clamor o vídeo encorajando e convocando os consumidores a ação, não em apenas comprar seus produtos, mas sim usá-los de forma eticamente correta, sem sobrecarregar as mulheres, aliás, as lavadoras como já informado, são práticas, tecnológicas e inteligentes, qualquer um pode usar.
Conclusão
A Brastemp conseguiu criar uma tecnologia fictícia, que alerta a população sobre uma coisa que devia ser óbvia, tarefa doméstica é tarefa de todos, não se deve rotular as atividades a gêneros, além de ser totalmente machista e antiético, esses desequilíbrios podem desencadear em diversos problemas tanto pessoais, quanto conjugais, familiares e profissionais.
O processo de desconstrução de estereótipos vem sendo uma tendência global e é o que se espera da sociedade para que com harmonia o mundo possa viver com direitos igualitários. As formas de comunicação mais inclusivas são um grande pontapé e propulsoras para essa mudança coletiva, por isso é importante sempre dividir informações verdadeiras e conviver de modo empático com os demais. Com pequenas atitudes e grandes agentes, incríveis mudanças serão perceptíveis.
Referências:
SILVA, Vitória Régia da; LEÃO, Natália. Na pandemia, mulheres ficam mais vulneráveis e são maioria entre desempregados. 2021. Disponível em: http://www.generonumero.media/mulheres-trabalho/. Acesso em: 16 maio 2021.
IBGE — Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua. Rio de Janeiro. 2019.
IBGE — Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Estatísticas de gênero: indicadores sociais das mulheres no Brasil. Rio de Janeiro. 2018.
