Mudança do papel da mulher nas propagandas de cerveja: De objeto para público alvo

Oficina
comunicacaoinclusiva
7 min readAug 27, 2021

Por: Alessandra Oliveira, Carina Gonçalves e Maria Eduarda Paiva / Orientadora: Profª Mirtes de Moraes

As tradicionais propagandas de cerveja brasileiras utilizam uma linguagem visual apelativa mostrando o padrão de mulher bonita de corpo magro, cabelo cumprido, sensual, com parte do corpo aparecendo e dando a bebida alcoolica ao sexo oposto mostrando uma cultura que valoriza a servidão. Esse produto faz uso de tal estereótipo a fim de atender os desejos de consumo do público masculino, que segundo as pesquisadoras da Universidade Federal do Mato Grosso, Cleodete Mendes da Silva e Cristina Batista Araújo, eles não são os únicos a comprar esse item.

A cerveja não é um produto erótico, mas suas propagandas constroem esse erotismo ao explorar o corpo feminino, acompanhado de um discurso cheio de metáforas, que é claramente voltado para o público masculino, como se eles fossem os únicos consumidores do produto. (SILVA; ARAÚJO, 2017, p.4)

Após uma longa história da imagem estereotipada feminina, as marcas passaram por uma desconstrução de colocar nas propagandas o mesmo público antes sexualizado no lugar de consumidor direto. As mulheres saíram do papel de objeto para igualdade de compra com os homens.

A mudança perceptiva pode ser associada à teoria de Walter Benjamin, do caráter destrutivo. Uma mudança da cultura quando a geração nova constrói um novo conceito através da destruição do pensamento anterior sobre aquele assunto, neste caso, destruindo a ideia majoritária deste entretenimento ser voltado para todos os públicos e estabelecendo que devem ser apenas para os homens. Veja as propagandas da cerveja Itaipava e Skol:

Legenda: Imagem da propaganda da cerveja Itaipava, de 2015, e Skol, de 2001. Ambas as imagens mostram garotas propagandas mostrando os seus corpos sensuais junto da garrafa da bebida alcoólica.
Legenda: Imagem da propaganda da cerveja Itaipava, de 2015, e Skol, de 2001. Ambas as imagens mostram garotas propagandas mostrando os seus corpos sensuais junto da garrafa da bebida alcoólica.

Na publicidade da Itaipava, por meio de um discurso de forte apelação sexual da mulher, é possível perceber a comparação entre os seios de Aline Riscado, com 600ml, que dá a entender que seja seu silicone, e as latas de cerveja, com 350 ml e 300ml. Logo abaixo, a frase “Faça a sua escolha”. Nessa propaganda, destaca-se a imagem dela com o corpo malhado, bronzeado e com pouca roupa. Ao lado, na peça publicitária da Skol, com a frase apelativa “A cerveja que desce redondo”, é notável a ambiguidade entre os seios da mulher e a cerveja, reforçando um estereótipo feminino, no qual faz com que ela seja reduzida a mera condição de objeto sexual.

Diversas campanhas publicitárias tiveram um fundo machista e preconceituoso. Entretanto, apenas no século XXI é possível identificarmos uma mudança e inclusão da diversidade, fazendo com que essas campanhas sejam respeitosas a todos os públicos. Um outro exemplo a ser citado, o comercial de 2006 do humorista Bussunda com a atriz Juliana Paes, que retrata a atriz na praia indo pegar uma cerveja, porém, sua saia enrosca na mesa e começa a rasgar. Nesse momento todos os homens começam a olhar para suas partes íntimas. O humorista tenta ‘’ajudar’’, ela agradece, mas só depois percebe que ele não lhe ajudou, mas sim facilitou que sua saia fosse rasgada por completo para que os homens presentes pudessem ver seu corpo sem o seu consentimento. Desse modo, a publicidade torna-se uma espécie de vitrine não apenas para a exposição da cerveja, como também para a exposição do corpo feminino.

Essas imagens são criadas pela mídia para agradar apenas um determinado público, o que está relacionado a teoria de código cultural, de Jr. Baitello (1997, p.18), pois trata-se de uma regra não explícita, mas social que está presente na sociedade.

Diante dos conteúdos expostos pela mídia, entramos no conceito de gênero. A historiadora norte-americana Joan Scott conceitua gênero como uma categoria social imposta sobre um corpo sexuado. Com o crescimento dos estudos de sexo e da sexualidade, o termo gênero se tornou uma palavra particularmente benéfica por oferece um meio de diferenciar a prática sexual dos papéis atribuídos às mulheres e aos homens.

As marcas utilizam a linguagem e recursos que sexualizem a mulher a fim de atender às exigências do mercado, então se os compradores mudam de ideia os produtores precisam alterar seus padrões. Essa cultura social é discutida pelo sociólogo britânico Don Slater:

“Um acordo social onde a relação entre a cultura vivida e os recursos sociais, entre modos de vida significativos e recursos materiais e simbólicos dos quais dependem, são mediados pelos mercados” (SLATER, 2002, p. 17).

Com o passar dos anos as concepções culturais da sociedade foram alteradas, vendo a necessidade de construir uma nova narrativa das mulheres como consumidoras, ao invés, de objetos para atrair os homens a comprarem a cerveja.

A Skol, por exemplo, que sempre reforçou essa objetificação feminina, está aderindo à inovações e quebrando estereótipos em suas novas campanhas publicitárias. Em 2016, apresentaram um novo posicionamento, afirmando que “Redondo é sair do seu quadrado”. Em 2017, criaram o “Reposter Skol”, que convidou oito ilustradoras para reconstruir campanhas e anúncios do passado da marca. Com a sua arte, apresentam as mulheres do jeito que Skol as vê, fortes e independentes. São elas: Eva Uviedo, Elisa Arruda, Carol Rosseti, Camila do Rosário, Manuela Eichner, Tainá Criola, Sirlaney Nogueira e Evelyn Queiroz, a Nega hamburguer. Veja as peças publicitárias de Eva Uviedo e de Camila do Rosário:

A primeira imagem foi feita pela artista Eva Uviedo e a segunda imagem pela Camila do Rosário. Essas artes participam da campanha “Redondo é sair do seu passado”. (Foto: Divulgação)
A primeira imagem foi feita pela artista Eva Uviedo e a segunda imagem pela Camila do Rosário. Essas artes participam da campanha “Redondo é sair do seu passado”. (Foto: Divulgação)

Nessa imagem é possível perceber uma representatividade em tom de protesto para gradativamente as mulheres terem mais voz na sociedade. Cada vez mais, anúncios e propagandas estão despertando o interesse do público feminino, já que estão representando novas maneiras de evolução. Na figura de Eva Uviedo, a expressão “redondo é sair do seu passado” demonstra essa mudança de pensamento da marca, em relação ao slogan feito em 1997, “A cerveja que desce redondo”. Na outra figura de Camila do Rosário, é citada a frase “My body, my rules” (em tradução livre: meu corpo, minhas regras), em reflexão de como o corpo das mulheres era tratado com efeitos apelativos, uso sensual e agora cada uma pode decidir sobre seu corpo. A Skol tem se desdobrado e quebra estereótipos, produzindo campanhas que fazem com que seu público aproveite mais os seus produtos com respeito e responsabilidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Durante muitos anos, as marcas de cerveja sexualizavam, objetificavam e estereotipavam o corpo feminino para vender o produto aos homens. Entretanto, as empresas identificaram que elas também eram um público consumidor do produto e que realizavam críticas às suas propagandas. Com as desconstruções dos antigos pensamentos, gera-se um espaço mais participativo das minorias, com propostas contemporâneas. Um fato importante é a valorização e reconhecimento dessas marcas para a aprendizagem do público sobre o respeito e empatia com o próximo, gerando seres humanos mais dispostos a compreender as limitações, necessidades e diversidades que compõem a sociedade. É necessário expor essas diferenças, pois é algo que precisa ser sempre lembrado e não tratado como se fosse algo fora da realidade, pois por mais que muitas mulheres já estejam alcançando respeito e espaço na sociedade, opiniões machistas e preconceitos sempre estarão presentes.

REFERÊNCIAS

CERVEJA ANTARCTICA. Só se for boa. 2006. YouTube. Disponível em:<https://www.youtube.com/watch?v=FRrfd6rU5e4>. Acesso em: 14 de maio de 2021. 00:00:50.

MACHADO, I. Escola de semiótica: a experiência de Tártu-Moscou para o estudo da cultura. Cotia: Ateliê Editorial; São Paulo: FAPESP, 2003.

Benjamin, Walter. Gesammelte Schriften. Bd.lV.I. Frankfurt/M.Suhrkamp, 1972.

JUNIOR, Baitello. O animal que parou os relógios. São Paulo: Annablume editora.1997.

GUIDUCI, Isabela Maria; ORÉFICE, Giovana; SIMIDAMORE, Leonardo; RODRIGUES, Maria Luisa Rodrigues; SILVA, Rafael Fernandes. A nova mulher das propagandas de cerveja. Médium, 23 de agosto de 2018.Disponível em: <https://medium.com/@rafaelfssilva/a-nova-mulher-das-propagandas-de-cerveja-29b235988cbb>. Acesso em: 14 de maio de 2021.

SILVA, Cleodete Mendes da; ARAÚJO, Cristina Batista. A mulher nas propagandas de cerveja: uma análise referencial. Mato Grosso: Revista Arredia, Dourados, MS, Editora UFGD, v 6,n.10:58–74, jan/jun.2017.

O CONCEITO de gênero por Joan Scott: gênero enquanto categoria de análise. Portal Geledés, Questão de Gênero, 15 de setembro de 2013. Disponível em: <https://www.geledes.org.br/o-conceito-de-genero-por-joan-scott-genero-enquanto-categoria-de-analise/>. Acesso em: 14 de maio de 2021.

COSTA, Jéssica Monalisa. De objeto sexual ao empoderamento feminino: uma análise da campanha Reposter Skol. Revista Lampejo. Disponível em: <http://revistalampejo.org/edicoes/edicao-12-vol_6_n_2/artigos/12%20-%20DE%20OBJETO%20SEXUAL.pdf >. Acesso em: 14 de maio de 2021.

“SENSUAL demais”, propaganda da Itaipava é suspensa por conselho. Folha de S.Paulo, 19 de junho de 2015. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2015/06/1645400-conselho-publicitario-manda-itaipava-suspender-propaganda-sensual-demais.shtml?cmpid=twfolha&origin=folha>. Acesso em: 14 de maio de 2021.

SACCHITIELLO, Bárbara. Skol assume passado machista e ressalta a importância de evoluir. Meio e Mensagem, 09 de março de 2017. Disponível em: <https://www.meioemensagem.com.br/home/comunicacao/2017/03/09/skol-assume-passado-machista-e-ressalta-a-importancia-de-evoluir.html>. Acesso em: 14 de maio de 2021.

SILVA, Ana Paula; DUARTE, Lílian. As propagandas de cerveja: uma análise do discurso masculino. Disponivel em: <http://www.leffa.pro.br/tela4/Textos/Textos/Anais/ABRALIN_2009/PDF/Ana%20Paula%20Ferreira%20da%20Silva.pdf>. Acesso em: 12 de maio de 2021

--

--

Oficina
comunicacaoinclusiva
0 Followers

Esse projeto integrador tem como proposta repensar os estereótipos que aprisionam a diversidade da sociedade