Victoria’s Secret: a recursa aos corpos dissidentes

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8 min readJun 24, 2021

Anna Clara Lerner Naslauski / Orientadora: Profª. Drª. Mirtes de Moraes Correa

Fonte: Anne of Carverville, 2015

Resumo

A recusa aos corpos dissidentes é algo muito típico tanto pela mídia quanto pelas marcas atuais, principalmente a Victoria ‘s Secret. Nesse artigo, é possível analisar uma campanha específica, além de inúmeros posicionamentos oficiais da marca que dizem respeito a repulsa aos corpos reais

Palavras-chave: dissidentes, gordofobia, Victoria ‘s Secret.

Introdução

Diversidade é chamar para a festa, inclusão é convidar para dançar”. Essa frase por Vera Myers em 2018 explica a situação de uma das marcas femininas mais populares do século XXI, a Victoria ‘s Secret. A marca, criada pelo casal Roy e Gaye Raymond, em 1977, porém popularizada apenas nos anos 2000, é conhecida mundialmente pelas suas lingeries. A ideia inicial do casal foi criar um lugar onde se pudesse comprar roupa íntima sexual e que seus clientes, tanto homens quanto mulheres, de qualquer gênero, raça ou tamanho, se sentissem à vontade e sem receio para entrar. Contudo ao longo dos anos, a marca se mostrou incapaz de evoluir culturalmente, deixando a inclusão de lado e dessa forma, acabando com seus desfiles anuais em 2019.

Primeiramente, a marca, em 2014, lançou a campanha “The Perfect Body”, que traduzindo significa: “O corpo perfeito”, expondo apenas mulheres com os corpos que a marca considera como perfeitos, modelos sempre retratadas magras, cintura fina, pele e corpo sem marcas e de cabelos finos. Tal marca com tamanha influência próxima a essa ideologia, apenas reforça o pensamento de que as mulheres perfeitas se parecem com isso e toda ou qualquer imagem diferente dessa visão é anormal. Dessa maneira, convencendo uma legião de jovens mulheres insatisfeitas com seus corpos e suas imagens, desenvolvendo problemas psicológicos, que em certos casos, pode ser extremamente prejudicial.

Figura 1- Campanha da Victoria’s Secret: “The perfect Body”

Fonte: Blog Plus Size por Glenda Cardoso, 2014

Após um abaixo-assinado com 25.000 assinaturas, a marca alterou sua campanha, mas não sua foto, apenas o texto que agora diz: “Um corpo para todos”.

Figura 2- Campanha reestruturada da Victoria’s Secret: “A body for everybody”

Fonte: Blog Plus Size por Glenda Cardoso, 2014

Tal propaganda foi rebatida pela marca Dove em seu twitter, onde retrata mulheres reais, e não apenas a idealização da mulher perfeita, com o título traduzido: “O corpo perfeito real” e a legenda: “Hoje nós celebramos o corpo perfeito real e todas as mulheres que disseram #Eusouperfeita do jeito que sou.”

Figura 3- Campanha da Dove: “The perfect real body”

Fonte: Twitter, 2014

Desenvolvimento

O termo violência simbólica pode ser aplicado ao caso. É um conceito social elaborado pelo sociólogo Pierre Bourdieu, no qual aborda uma forma de violência exercida pelo corpo sem coação física, causando danos morais e psicológicos, a partir da comunicação midiática e induz o indivíduo a se posicionar no espaço social seguindo critérios e padrões de tal discurso dominante, ou seja, o padrão de beleza imposto pela sociedade e reproduzido inúmeras vezes pela mídia faz com que mulheres se sintam além de humilhadas, obrigadas a segui-los, tais padrão criado com o objetivo de agradar e satisfazer homens na sociedade patriarcal. Essas publicidades são manifestações do reconhecimento desse padrão existente e da legitimidade da violência simbólica. Neste caso, a reprodução excessiva do corpo perfeito é letal a jovens mulheres e futuras adultas, que têm a possibilidade de encaminhar essa ideia a outras gerações e dessa forma, transformar essa reprodução em um caminho sem fim.

Ademais, a marca americana não é considerada apenas seletiva em sua publicidade, mas em si já foi inúmeras vezes acusada de gordofobia e transfobia, sempre apresentou apenas corpos extremamente magros, cisgêneros, tanto em suas passarelas quanto anúncios, ou seja, corpos com uma beleza inalcançável, ainda que considerasse outras origens étnicas para suas modelos ainda preservava o estereótipo da magreza. Um exemplo que gerou revolta nas redes sociais foi quando a marca se recusou a renovar o contrato com a modelo húngara Barbara Palvin, que foi considerada muito “grande” para estar nas passarelas, e por alguns até chamada de plus-size. Tendo 55 quilos e 1,75 de altura, ou seja, o IMC normal. O termo plus-size no mundo da moda significa manequins acima do 48, enquanto a modelo veste apenas um 34, tal fato diz muito a respeito sobre a recusa de um corpo saudável exposto ao público, demonstrando o uso da sua influência para a retratação de seu próprio conceito de um corpo perfeito.

A exposição da figura feminina seguindo o padrão atual acontece com mais frequência devido às redes sociais e deve ser desafiada, atualmente uma parcela de pessoas lutam pela quebra do padrão e se recusam a consumir de marcas que não promovem a diversidade. Dessa forma, em 2019 a marca se sentiu pressionada e assim anunciou sua primeira oficial modelo plus-size, com manequim 46. A primeira campanha para a marca em parceria com a marca feminina Bluebella, causou inúmeras revoltas. A chefe de cozinha disse a respeito da campanha em suas redes sociais, Carosella, Paolla (@PaollaCarosella):

“Esta mulher linda, natural, que evidentemente se alimenta de comida e que tem um corpão cheio de curvas é a modelo plus-size da Victoria ‘s Secret. Que irresponsabilidade falar que um corpo assim é plus-size. Que pressão estão colocando sobre as mulheres e meninas? Sinistro” 9 de outubro de 2019, tweet.

Ademais, a Victoria ‘s Secret é a única entre as líderes globais do setor de lingerie que tem trabalhado o tema “inclusão” em passos lentos. Enquanto isso, todas as outras marcas fazem questão de aderir à diversidade o mais rápido possível.

Ed Razek, ex-presidente e diretor de Marketing da Limited Brands (que detém a Victoria’s Secret) não demonstrou qualquer interesse e se recusou a escolher modelos plus-size e transexuais para participarem no desfile, afirmando em uma entrevista que a grife de lingeries não usaria tais corpos em seu desfile anual “porque o show é uma fantasia”, ou seja, uma realidade paralela, presa no tempo quando mulheres serviam aos ideais misóginos através de seus estereótipos, (VOGUE, 2018). Além disso, já houve relatos de várias situações de assédio desenfreado, bullying e intimidação praticadas pelos dois homens mais poderosos da marca, Ed Razek e Leslie Wexner, fundador da Limited Brands, não só às modelos, mas também a funcionárias. Com a reação negativa causada por tal ato, a marca se desculpou e acabou contratando a sua primeira modelo transgênero, a brasileira Valentina Sampaio.

Conclusão

A marca costumava ser líder até o ano de 2018, até que começou a notar inúmeras diferenças por parte de seu público. De acordo com analistas financeiros da Limited Brands: em 2014, as ‘Angels’ da marca atraíram uma audiência de nove milhões de telespectadores americanos, enquanto em dezembro de 2018, foram apenas 3,3 milhões. Razek afirmou que a marca não consegue se recuperar apesar de várias mudanças em sua direção. No Correio Braziliense, a Agência France- Presse diz: “a Victoria’s Secret paga o preço de uma série de polêmicas e controvérsias que contribuíram para associá-la à imagem da mulher objeto, desgastada após uma crescente demanda por diversidade nas passarelas e uma tomada de consciência dos múltiplos casos de assédio e agressões sexuais sofridos por modelos, por fim, a marca anunciou o fim de seus desfiles.”

A cantora Rihanna fez parte do grande declínio da marca, enquanto a Victoria ‘s Secret seguia seu próprio plano anti-inclusão, não atualizando suas narrativas, a cantora ameaçava a marca com o jeito mais contemporâneo de vender lingerie, a marca Fenty. Em todos os seus eventos, a marca fala abertamente sobre diversidade, além de maior variedade aos tons de “nude”, envolvendo todos os tons de pele possível, também critica a modelagem dos tamanhos e se torna a marca com a mais extensa grade de tamanhos entre as maiores do segmento.

Portanto, pode se dizer que a marca não vendia lingeries para mulheres, e sim, um estilo de vida baseado em reproduções misóginas em tempos em que tal visão é repudiada. A mídia, também extremamente culpada, por incentivar tal dominação simbólica. Com o movimento body positive e o movimento feminista sendo reafirmados pela mídia, o “corpo perfeito” inalcançável que é mostrado pelas modelos da marca Victoria’s Secret acaba se tornando ultrapassado, apenas chamam para a festa, as vezes nem isso, enquanto marcas em ascensão como Fenty inovam apenas fazendo o uso de corpos reais, chamando para dançar.

FONTES:

ANNEOFCARVERSVILLE Michael Bay Shoots 10 New Victoria’s Secret Angels In Body By Victoria Campaign. Disponível em: https://anneofcarversville.com/editorials/2015/7/29/michael-bay-shoots-10-new-victorias-secret-angels-in-body-by.html Acesso em: 26 maio. 2021.

BBC. 3 razões que levaram a Victoria’s Secret a cancelar seu famoso desfile anual. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/geral-50549343>. BBC News Brasil, 25 nov. 2019. Acesso em: 10 maio. 2021.

BBC. Como a moda acompanhou e traduziu as pressões culturais sobre o corpo feminino. Disponível em: < https://www.bbc.com/portuguese/vert-cul-43312132>. BBC News Brasil, 25 nov. 2019. Acesso em: 10 maio. 2021.

BORGES DOS SANTOS, S. Visão | Victoria’s Secret: a “cultura da misoginia” vivida dentro de uma marca feminina. Disponível em: <https://visao.sapo.pt/atualidade/mundo/2020-02-02-victorias-secret-a-cultura-da-misoginia-vivida-dentro-de-uma-marca-feminina/>. Acesso em: 10 maio. 2021.

CARDOSO, G. Entenda o caso “Perfect Body” da Victoria’s Secret • Curvilíneos -Blog Plus Size por Glenda Cardoso. Disponível em: <https://www.curvilineos.com.br/entenda-o-caso-perfect-body-da-victorias-secret/>. Acesso em: 27 abril. 2021.

‌CAROSELLA, P. esta mulher linda, natural, q evidentemente se alimenta de comida e que tem um corpão cheio de curvas é a modelo PLUS SIZE da #victoriasecret. Que irresponsabilidade falar que um corpo assim é plus size! Que pressão estão colocando sobre as mulheres e meninas!? sinistro !!!. 9 outubro 2019. Twitter: @paollacarosella. Disponível em: https://twitter.com/PaolaCarosella/status/1181983287511801856?ref_src=twsrc%5Etfw%7Ctwcamp%5Etweetembed%7Ctwterm%5E1181983287511801856%7Ctwgr%5E%7Ctwcon%5Es1_&ref_url=https%3A%2F%2Fwww.hojeemdia.com.br%2Fplural%2Fno-twitter-chef-paola-carosella-questiona-padrC3A3o-plus-size-de-marca-de-lingerie-1.748918. Acesso em: 18 maio 2021.

DOVE. https://twitter.com/dove/status/527883952053174272/photo/1. Disponível em: <https://twitter.com/Dove/status/527883952053174272/photo/1>. Acesso em: 27 abril. 2021.

FERREIRA, Y. Incapaz de abraçar diversidade, Victoria’s Secret confirma fim de desfile anual. Disponível em: <https://www.hypeness.com.br/2019/11/incapaz-de-abracar-diversidade-victorias-secret-confirma-fim-de-desfile-anual/>. Acesso em: 10 maio. 2021.

PRESSE, F. Cancelamento do desfile da Victoria’s Secret marca o fim de uma era. Disponível em: <https://g1.globo.com/pop-arte/noticia/2019/11/23/cancelamento-do-desfile-da-victorias-secret-marca-o-fim-de-uma-era.ghtml>. Acesso em: 10 maio. 2021.

ROSSET, T. Campanha do “corpo perfeito” da Victoria’s Secret provoca polêmica na internet; entenda o caso. Disponível em: https://vejasp.abril.com.br/blog/pop/campanha-do-8216-corpo-perfeito-8217-da-victoria-8217-s-secret-provoca-polemica-na-internet-entenda-o-caso/.

Notícias do Entretenimento na Internet | E+ Estadão. Disponível em: <https://emais.estadao.com.br/noticias/moda-e-beleza>. Acesso em: 10 maio. 2021.

‌TOLMASQUIM, G. Como Rihanna ameaça o império de lingeries da Victoria’s Secret. Disponível em: <https://exame.com/casual/como-a-rihanna-ameaca-o-imperio-de-lingeries-da-victorias-secret/>. Acesso em: 10 maio. 2021.

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Esse projeto integrador tem como proposta repensar os estereótipos que aprisionam a diversidade da sociedade