A única coisa livre no Brasil é a mordaça

Pj Godoy
comunicaentrenos
Published in
3 min readMar 23, 2018

Muito prazer, sou Paulo Cesar Gianini Godoy Júnior, mas pode me chamar de PJ. Assim como tantos outros, desconheço muitos daqueles que perderam a vida vítimas da intolerância alheia. Gente que briga pela democracia, diversidade e humanidade. Que carrega a voz de todos, ainda que não sejamos todos iguais. Na realidade, somos tão diferentes que, quando alguém luta pelo direito civil, acaba na mira de um fuzil. Não souberam estancar o dedo na ferida, talvez quisessem que mais uma morte passasse despercebida, e a bizarrice chegou ao estádio.

Marielle (oni)presente (Foto: Comando Rasta/Divulgação)

Desde que Marielle Franco e seu motorista Anderson foram assassinados no dia 14 de março, no Rio, uma comoção se formou pelas ruas. Pessoas que sequer conheciam o trabalho dos dois - incluindo o Papa - mas que entenderam o atentado à democracia e aos direitos humanos. Além de defensora dos pobres e oprimidos, a vereadora também lutava contra a violência exacerbada. Utilizou sua voz para defender policiais vítimas da criminalidade, e outros tantos alvos de uma sociedade cada vez mais devastadora. Por essas e outras, as homenagens para ela invadiram o mais popular dos esportes - o patrimônio cultural do povo, como diria João Saldanha. Ainda assim, os atos, mesmo que singelos, não foram bem recebidos pelas administradoras dos estádios.

No último fim de semana, enquanto Cruzeiro e Patrocinense mediam forças por uma vaga na semifinal do Campeonato Mineiro, integrantes da torcida organizada "Comando Rasta", que realiza ações sociais em bairros pobres de Belo Horizonte, estamparam a faixa "#MariellePresente" nas arquibancadas do Mineirão. Logo, foram forçados a retirá-la, sob a justificativa de que "estádios não são locais para atos políticos". A mesma situação aconteceu em Porto Alegre, com torcedores do Grêmio, e no Rio, onde a torcida do Bangu também foi coibida ao gritar em favor da vereadora.

O que muitos não sabem é que tais reações ferem o Estatuto do Torcedor, que não veda a liberdade de expressão e proíbe mensagens ofensivas, racistas, xenófobas e que incitem a violência. Marielle, por sinal, morreu ao lutar contra todos eles, mas permanece censurada desde então. Não por acaso, Arena - como são chamadas as obras faraônicas deixadas pela Copa - lembram o nome de um curioso partido político herdado da ditadura militar. A única coisa que permanece livre no Brasil é a mordaça.

Marielle é da Cidade Maravilhosa, que revista criança sob o pretexto da intervenção militar. É do país do futebol, que mata uma mulher a cada duas horas. É a batalha contra o racismo, numa nação miscigenada que dizima negros a cada 23 minutos. É o grito contra a homofobia, que silencia um gay a cada 25 horas. É a verdade contra a produção de notícias falsas, a voz de quem sempre conviveu com a censura. É a luta incansável pela vida em todos os lugares, seja no futebol, no teatro ou numa mesa de jantar. Marielle é figura onipresente, e se por acaso não enxergá-la, não se assuste se outras milhares de estatísticas saltar aos teus olhos na próxima parada.

--

--