A ausência de Antônio

Cris Yoko
Comunidade da Escrita Afetuosa
3 min readNov 27, 2023
Photo by Roman Kraft on Unsplash

São 30m² de detalhes, arte e beleza. A palheta de cor que inicia na parede de cacos de azulejo terracota com detalhes de rosa velho milimetricamente encaixados, o teto do banheiro no mesmo rosa que completa os detalhes em bege do tapetinho e da roupa de Antônio e o contraste do azul das portas dos armários da cozinha que dá o destaque na decoração e se completa na colcha da cama que mistura todas as cores daquele mini apartamento todo perfeito em sua autenticidade. A parede da sala é um show a parte, um museu da arte brasileira, cada objeto um ao lado do outro como se fosse o único lugar óbvio de estar e conta a história e a alma daquele lugar. No canto da sala uma prateleira de livros, cores e tamanhos diversos, que se mistura com mais objetos de arte, a mesinha de madeira linda feita por Antônio e um sofá cama que já abrigou muitos amantes da noite. Olho ao redor, olhos todos esses objetos lindos, olho a escrivaninha com uma linda luminária que me apaixono e as cabeças feitas de barro vermelho olhando Antônio dormir. Porque quarto de Antônio é quarto de dormir que só precisa de uma pequena tábua presa em duas tirinhas de coura para abrigar uma velinha, um cheirinho, um potinho para guardar qualquer mini coisa. Meus olhos continuam a percorrer aqueles 30 m² de casa, de aconchego e não vejo, não encontro. Não encontro a festa de aniversário com a criança de frente pro bolo e os amigos ao lado sorrindo, não encontro a ceia de natal onde pelo menos uma vez por ano se tem toda a família reunida, não vejo os primos todos juntos crianças com o shortinho e a camiseta surrada da brincadeira na casa da vó, a viagem da galera com a mesinha cheia de bebida barata e um bêbado dormindo no fundo da sala, da foto da primeira viagem dos namorados naquela linda praia do nordeste do Brasil, não encontro os momentos inesquecíveis, os momentos felizes e as pessoas que o tempo quer guardar . É como se Antônio fizesse um exercício de deixar para trás e se dar a chance de um recomeço. Do começo da vida menos escondida, da pessoa que sempre foi e nunca pode pôr pra fora, da independência do primeiro apartamento de não precisar morar de favor e poder ser e existir sem precisar dar satisfação. Da sensação de liberdade e esquecer os amigos que não acompanhavam, da cidade pequena que não entendia, dos pais que ama mas sempre ficou longe da sua realidade. Do amor nunca correspondido, da única amizade que sustentava a dor, dos amigos que desejou e nunca teve. Vejo a ausência dos álbuns de foto que se mistura com os livros, da falta dos quadros de fotos nas paredes, do porta retrato na mesinha da sala que não existe. A ausência do passado de Antônio vindo de Alagoas é preenchida pelos objetos que traz a memória desse tempo na forma de barro vermelho, das imagens das estátuas que remete ao seu povo, dos nomes de artistas que de alguma forma li é familiar. Antônio agora constrói uma nova história para poder ser lembrada e registrada. O que aconteceu com você lá atrás Antônio que você cavou no baú debaixo do seu colchão?

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